XXXII

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Quando ele dormiu novamente, eu aproveitei para sair da cama. Devagar me desvencilhei do corpo dele, mas estava tão cansado que nem sentiu o momento em que eu sai. Desci as escadas devagar e caminhei até a cozinha para ver o que poderia fazer para nós comermos, enquanto em pensava no que ele tinha me dito. 

Filho bastardo. Isso explicava muita coisa sobre ele. A necessidade de perfeição, a dualidade dentro dos negócios obscuros do pai. Um homem como ele jamais poderia ser como outros agiotas imprestáveis como os quais meu pai se envolveu. 

Eu estava distraída quando senti os braços dele ao meu redor. O corpo quente já não estava fervendo de febre, e quando olhei para o fogão na minha frente, a comida já estava quase pronta e eu nem sabia como. 

— Não me deixe na cama sozinho. — ele resmungou na minha nuca. 

— Eu estava preparando alguma coisa para comermos. 

Desligo o fogão, pego a panela e coloco em cima do suporte na pia. O arroz cremoso com carne iria nos sustentar bem e era quentinho. O verão dava sinais de que ia embora. Ao menos quando o inverno chegasse estaríamos juntos. Coloquei nossos pratos na mesa e ele me seguia como Pamuk. Antes que eu pudesse sentar, sinto a mão forte agarra meu braço e me colocar de frente para ele. Sua outra mão foi para minha nuca, me puxando até que nossas bocas colassem. Foi casto, mas forte, e quando ele me olhou de novo, me olhava como se implorasse para eu confirmar o que tinha dito mais cedo. 

Que ele era meu marido e nada mudaria isso. 

Toco seu rosto devagar. 

— Vamos comer, marido. Vamos? — eu falo de maneira doce. 

Como me lembrava que minha mãe falava para meu pai antes de tudo dar errado na vida deles. 

A diferença é que eu não queria mais nada de errado na nossa. 

Para mim, o passado estava no passado. Fim. 

Nero sentou e abriu o primeiro sorriso. 

— Isso parece estar uma delícia. 

— Faz tempo que eu não faço esse prato, eu espero que esteja bom. 

O jeito como o corpo dele pareceu relaxar na primeira garfada foi o suficiente para me deixar satisfeita. Comemos em silêncio, até porque o único assunto que rondava nossas cabeças era o único que não queríamos falar agora. Deixo Alexandre comer em paz, e quando ele se dá por satisfeito com a arte de raspar o prato, pega minha mão com carinho. 

— Obrigado, eu precisava disso. 

— Eu imagino, você parece ter perdido peso. 

Ele me olha e concorda. Vejo uma abertura. 

— Você vai falar com a polícia? — eu pergunto em tom baixo. 

— E se formos para Bodrum? 

— Nero... — eu seguro o rosto dele. — Vai falar com a polícia? 

Ele suspira. 

— Eu não sei. Eu deveria, mas sei como isso pode te colocar em perigo. Eu abrir mão dessa vida é uma coisa, eu denunciar tudo que eu já vi... Eu não te arriscaria desse jeito. 

— Você não acha que se eles souberem que você abriu mão, vão pensar que você vai fazer uma denúncia? 

— Giovanna, vamos para Bodrum? Vamos aproveitar os últimos dias de verão? 

— Você está ansioso. 

— Eu quero você em outro lugar que não seja Istambul. — ele falou ansioso de fato. 

Eu levanto da cadeira e em um ato de ousadia, me sento em seu colo. Uma perna em cada lado de seu quadril, colo nossos corpos como por dias eu senti falta. Me veio Florença, me veio Umbria e me veio os momentos de Istambul em que não sabia quem éramos direito. Eu quero ter Istambul com ele de novo, quero ter todos os lugares, quero que ele me olhe sabendo que eu errei assim como ele, mas que não quero errar mais. 

— Eu quero você em Istambul. — eu faço com calma, jogando meu cabelo para o lado. 

Sua mão acaricia meu pescoço. 

— Quero você em todos os lugares. Eu estava com raiva, mas o que eu sinto por você é muito maior do que isso tudo. Eu me casei com você. 

— O que sente por mim? — ele pergunta em voz baixa, a mão que estava em meu pescoço aos poucos descia pela frente de meu corpo. 

— Te amo, Alexandre. Te amo tanto quanto a quantidade de estrelas no céu. Como a escritura sagrada fala sobre o amor. 

Ele fecha os olhos em alívio. Sua cabeça tomba em meu peito, seu rosto se esfrega em minha pele como se pudesse sentir tudo que acabei de falar. 

— Te amo, Giovanna. 





— Você sabia que tinha um Templo de Ártemis no caminho para Bodrum? — ela me pergunta com um sorriso no rosto, o óculos escuro ocultando o enrugar de seus olhos. 

— Eu não fazia ideia de que tinha alguma coisa aqui na Turquia, ela não é grega? 

— Somos vizinhos, Alexandre, você é tão ruim de história? 

— Olha isso tudo, só tem pedras aqui. 

— Isso é história. 

— Você é de Izmir, como você não sabia? — eu provoco e vejo ela me ignorar com gosto. 




São duas vítimas. 

Isso, testemunhas dizem ter visto o carro sair da entrada do Templo de Ártemis para a estrada sentido Bodrum. O carro que os interceptou estava com o farol desligado. 

Uma mulher e um homem. 

Os dois baleados, mas devido o capotamento os ferimentos de bala são nossa maior preocupação. 

Para o hospital de Bodrum, sim. 

Escuto sirenes ao meu redor. Tento abrir os olhos e não consigo. 




— Você disse que tinha uma surpresa para mim. — ele fala e eu seguro a risada. 

— Você não está feliz de irmos para Bodrum, não? Já não basta? 

— Basta, você está me enrolando há dias para irmos, mas está com cara de que me esconde algo. 

— Você é muito ansioso. 




1, 2, 3. 

Pronto, a mulher já está na ambulância. 

O homem? O homem está indo de helicóptero, ele está grave. 

Você viu o tanto de marca de bala no carro? 

Eu abro meus olhos devagar, eu olho para o teto da ambulância, tento mexer minha cabeça mas ela está imobilizada. 

— A senhora já está sendo atendida, mantenha a calma, consegue me ouvir? — um rosto entra no meu campo de visão. 

Eu pisco, mas não consigo falar. 

Sinto uma pontada em meu baixo ventre. 

Eu não consigo falar que espero um filho dele. 






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