XXXVI

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Quando me tornei mãe, percebi que o mais difícil não era educar, nem cuidar, nem amar incondicionalmente. O mais difícil era me manter mãe. E me manter era proteger meu filho a qualquer custo. Nunca pensei que tivesse que defender meu filho desse momento bem aqui, quando na verdade eu também queria fugir.

O olhar de Alexandre era intenso. Ele me secava, me analisava, absorvia cada detalhe meu, enquanto na verdade eu não conseguia fazer o mesmo porque meus olhos estavam presos nos dele.

A voz de Kemal é o que me tira desse momento.

— Querida? Emir se cortou com a taça. — Kemal nem percebe quem está na minha frente.

Eu desvio meu olhar de Alexandre e vou na direção de meu filho. Foi esse o caminho que eu fiz quando descobri que estava grávida. Eu sempre faria esse caminho, quantos vezes fosse necessário.

Eu nem sabia que um coração, depois de destroçado, ainda poderia bater.

Me aproximo de Emir e ele me olhar com os olhos marejados, segurando a mão com força. Me abaixo na frente dele e pego sua mão, vejo que o corte parece profundo, que muito provavelmente precisaria de pontos naquilo. Pego um guardanapo e pego Emir no colo, olho para Kemal.

— Pede meu carro, tio, por favor.

Vejo ele se afastar e as pessoas se aproximando de mim, perguntando se eu precisava de alguma coisa.

— Eu posso te levar. — escuto a voz de Alexandre atrás de mim e seguro a cabeça de Emir contra meu pescoço.

Me volto para ele com o peito cheio de raiva. Quem ele pensava que era? Sua presença realmente era capaz de atrair catástrofes, foi ele pisar aqui, abrir a boca, que meu filho corta a mão com uma taça. Alexandre era uma verdadeira tragédia em minha vida. De todas as vidas que eu já vivi, a que eu dividi com ele era a que eu mais me arrependia. A única coisa boa foi Emir, e eu ia proteger essa coisa boa em minha vida com tudo que eu pudesse.

— Volta para o inferno de onde você saiu, Alexandre. — eu falo baixo e caminho para fora da galeria com Emir.






Os estresse para dar pontos em um menino de 6 anos foi o suficiente para me deixar exausta. Eu acariciava o cabelo dele, que agora dormia tranquilo em meus braços, e tentava não fechar meus olhos enquanto esperava os papéis dos médicos. Kemal já havia ido na farmácia aqui do lado e Cana segurava minha bolsa.

— Querida, eu... eu pensei que estava vendo uma miragem, mas... Alexandre estava na galeria? — ela perguntou em tom baixo para não acordar Emir.

Me volto para ela e respiro fundo.

— Era um fantasma, tia.

— Meu bem...

Fecho os olhos e apoio a cabeça na parede.

— Eu não sei que diabos ele estava fazendo ali, tia. Eu não faço ideia.

— Ele... falou do Emir?

Abro os olhos assustadas.

— Não, e não teria como ele saber, ninguém falaria.

— Eu sei que não, eu sei. — ela falou rapidamente para me acalmar.

— Eu sei que não vou encontrar Alexandre tão cedo, tia. Ele não sabe onde eu moro, ele não sabe da minha vida, eu tenho certeza que foi um acidente ele ter aparecido na galeria. Eu vou ignorar o que eu vi.

— Giovanna...

— E pelo amor de Deus, não fale para o tio. Acho que ele tem um treco se souber que Alexandre foi até a galeria.

— Acho que ele estava tão preocupado com Emir que nem percebeu.

— Vamos manter assim, por favor.





Eu sou um merda.

A verdade era uma só.

Eu sou um merda.

Eu só conseguia pensar onde estava o babaca do marido enquanto ela estava preocupada com o filho.

Eu não tinha a vergonha na cara de olhar para a cara do menino, porque eu só conseguia olhar para ela, só conseguia procurar uma aliança, só conseguia procurar pelo babaca que a fazia tremendamente feliz agora.

Puta merda, ela estava tão linda.

E os quadros... eu vi os quadros e ela era tão talentosa. Eu sabia que Giovanna chegaria longe, eu tinha certeza disso, mas ver com meus próprios olhos todo seu talento era de me dar um calor no coração.

E o cheiro dela.

O cheiro dela estava em todos os lugares.

Eu me jogo na cama do hotel, pego meu celular e abro uma foto nossa. Tempos mais simples, nossa última foto naquelas ruínas de templo, onde eu pensava que nossa vida estava começando do zero. Onde ela tinha orgulho de me chamar de marido, onde eu me limpava das coisas do passado.

O mundo girava muito rápido.

E seis anos era tempo suficiente para alguém seguir em frente com a vida e eu ficava, tentava ficar, feliz por ela.

É claro que eu ainda a amava, e por isso mais o que diabos além de felicidade eu poderia sentir ao vê-la feliz?

Pego meu masbaha e me pergunto entre minhas orações: por que não comigo?


Kemal e Canan decidiram ficar em Florença pra me ajudar com Emir, o que me deixava tranquila para trabalhar naquela manhã. Chegando na galeria de Uffizi, recebi os parabéns pela minha exposição e como o mundo da arte lançava boas críticas aos meus quadros.

— Eu chequei o seu e-mail nessa manhã e já tem até um comprador interessado. — Fabrizio me fala com um sorriso no rosto.

— Comprador? Mas... foi uma amostra tão pequena.

— Você fez sua exposição na melhor época, meu bem. É a temporada dos ricos em Florença com à proximidade da temporada de fórmula 1 na Itália. As primeiras boas críticas já fizeram muito bem a você

— Bom, vamos ver qual a proposta. Tem um quadro em específico que eu não vendo de jeito nenhum.

Antes que eu pudesse seguir para meu escritório, Fabrizio me entregou alguns arquivos.

— Tem visita na sua sala.

— Visita?

Ele não termina de me explicar, é chamado por algum outro funcionário. Quando eu entro no ambiente e vejo que a visita era Nero, sinto que escuto a mesma taça de vidro quebrar, que escuto o choro de Emir. É como reviver todo o trauma de novo. E ver como ele parecia tão confortável, como se um ambiente que fosse meu nunca tivesse deixado de ser dele por tabela, como ele segura a foto do meu filho com um pequeno sorriso nos lábios...

Ele me olha com uma inocência que não lhe cabe.

— Ele é a sua cara, Giovanna.

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