— Pronto, agora você já pode sair do país também. Sua pena acabou, Alexandre, parabéns. — escuto meu advogado falar, mas sinto um gosto amargo. — Nem pense em fazer o que está pensando.— O que eu estou pensando?
— Deixa que a justiça cuide do Hakam.
Passo a mão na nuca e dou risada, sai rouca para não sair em chamas.
— São anos esperando a justiça ser feita. Eu fiz a delação, eu poderia ter resolvido de outra forma com uma bala no meio da testa desse infeliz, mas eu escolhi o caminho certo e até agora só eu tomei no cu aqui, Mert.
— Você precisa ter calma, Alexandre. Não pode agir com o coração desse jeito.
Eu levanto da cadeira, passo a mão pela barba que deixei crescer, subo pelo rosto até chegar aos cabelos que cortei recentemente.
— Coração... que coração...
— Escuta, eu... eu nunca entendi porque nunca quis ao menos saber sobre ela.
Meus olhos encontram os deles e eu posso dizer que ele entendeu que o assunto estava encerrado.
— Nem ouse, Mert. Já me deu a grande notícia, pode ir embora.
— O que vai fazer agora?
— Trabalhar, o que pensa que vou fazer?
— Viajar?
— Tchau, Mert.
Quando o advogado sai da minha sala, eu sento na cadeira com pesar. Daquela noite, daquela maldita só ficou a dor nas costas e os pinos em minha perna. E claro, a memória dela jogada para fora do carro, sangrando no asfalto enquanto eu não conseguia me mover.
Giro a cadeira até olhar pela janela. A vista era a mesma, porém menos ambiciosa. As únicas coisas que consegui transferir para minha mãe antes da prisão foi a casa, onde hoje ela mora com o marido, e uma quantia de dinheiro que eu não queria mexer. De resto, voltei para a estaca zero, de onde eu deveria ter saído desde o começo. A empresa de materiais para construção civil não resistiu ao escândalo da família e foi a falência.
Hoje eu tinha uma pequena empresa de engenharia que assinava contratos com o governo para construção de habitações populares em locais de revitalização. Empresa essa que tinha que estar no nome de Omar pela minha péssima reputação.
Nosso escritório era pequeno, mas a vista para o Bósforo foi uma exigência minha. Tudo parecia possível quando eu tinha essa vista.
Se eu fosse colocar na ponta do lápis, realmente eu estava começando do zero, falido. Só que eu tenho certeza que eu perdi muito mais do que dinheiro nisso tudo, algo que eu nunca mais vou ter. Nunca mais vou recuperar.
— Ela quer falar com você, ela está irada, Alexandre. Precisa falar com ela, que diabos está fazendo?
Eu não tinha coragem de olhar para Omar. Eu cederia ao seu desespero.
— Você já falou que o pai dela foi assassinado? Que invadiram a clínica e encheram ele de bala? — eu pergunto em tom sombrio.
— Alexandre...
— Chega, Omar. Eu não vou mais arriscar. Ela não merece isso.
— Ela não merece ser chutada da sua vida sem uma explicação.
— Ela vai entender, ela sempre foi mais inteligente. Mande ela pra longe de mim, Omar. Por favor.
Uma lágrima teimosa cai do meu rosto. Eu queria levantar e sair correndo, mas minhas costas doíam tanto que eu tinha medo de esfarelar antes de dar o primeiro passo.
