XXII

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Eu disse aceito.

Aceito tornar o amor dele miserável. Aceito matá-lo dia após dia com meu silêncio, com a minha indiferença e com o nojo em meu olhar. Meu peito estava fervendo, meu estômago queimava. Ele parecia miserável olhando para mim nesse altar, e eu estava feliz com isso.

A aliança deslizou em meu dedo, as pessoas bateram palmas, esperavam um beijo e eu dei. Selei meus lábios nos dele para que ele sentisse meu veneno, tivesse uma prévia do que seria daqui pra frente.

Eram comuns as histórias de ódio se transformando em amor, mas e o oposto? E quando o amor se transforma em ódio? Quando ele abre os olhos eu vejo o medo, mas eu aperto sua mão e dou um sorriso. Todos tão alheios ao que se passava entre a gente que eu queria dar risada.

— Giovanna, a gente precisa conversar. — ele falou baixo, seu tom desesperado.

— Por que eu deveria? É o meu casamento, certo? O dia mais feliz da minha vida? Eu vou aproveitar, você deveria também, afinal você pagou por tudo, até pela noiva... — eu dou um sorriso, seguro a mão dela com força e nos viro para os convidados.

Eu poderia ser atriz.

Caminhamos pelo corredor, as pessoas comemoravam e eu fingia. Na frente do fotógrafo que nos esperava no final, fiz questão de puxar o rosto dele para que olhasse para mim. Para que toda vez que visse essa foto ele entendesse a desgraça que ele cometeu.

Destruiu meu coração, Alexandre.

Eu te amo, Alexandre.

E eu te odeio com a mesma força que te amo.

E você nunca vai saber a parte boa.

Quando chegamos na recepção, a música já estava alta. Os tambores, a batida. Tudo foi o suficiente para me fazer sentir um tremor pelo corpo. Minhas amigas correm até mim, me abraçam, comemoram, vibram em uma sintonia que não é a mesma que a minha.

— Alexandre estava tão assustado no altar! Pensávamos que você tinha desistido?

— Eu? Nunca!

— Estamos tão felizes, melhor ainda será essa lua de mel!

Elas se afastam de mim quando Canan as chama. Itália. Era meu sonho ir para Itália e era meu sonho mais novo ir com ele. De repente o barulho diminui, e meu corpo começa a dar espaço para uma tristeza. Eu olho ao redor e encontro os olhos dele em mim, ele era cumprimentado pelos homens, batiam em seus ombros, celebravam, tentavam o puxar para dançar.

Eu não quero que ele me veja assim.

Pego a primeira garrafa de champanhe que encontro e vou até as mulheres, pulo, dou gritos. Me faço da mulher mais feliz do mundo.

E então eu vou bebendo, e vou bebendo. E vou dançando. E quando Alexandre se aproxima de mim no meio da pista, a mando das pessoas para que tenhamos nossa dança, eu o olho torta. A música muda, uma melodia lenta. Ele segura minha cintura com firmeza e eu tenho vontade de lhe dar um tapa.

— O que está fazendo, Giovanna? Por Deus, o que está fazendo? — ele pergunta próximo a minha boca. — Quer me matar? É isso? Que tortura é essa!

— Quero. — eu respondo firme. — Eu quero te matar, Alexandre. Por estar destruindo minha vida, o nosso dia, por ser um mentiroso de merda. Eu quero matar você.

— Por que está bebendo desse jeito? Você não bebe desse jeito...

— Porque você não se preocupa em parecer feliz?

— Porque eu não estou feliz, Giovanna. Eu estou apavorado e você não fala comigo.

A testa dele colou na minha. Para quem visse de fora era só um gesto de amor.

— Fala comigo, Giovanna... — ele sussurrou.

Yakmasın ateş sen sarıl yat yanıma
Sevginle bir ömür titreyebilirim
Gönlüme bir eş buldum sonunda
Geriye kalandan vazgeçebilirim
Kalbim erimiş aşkının yolunda
Ölene kadar sevdiğimi söyleyebilirim

Não deixe o fogo te queimar, me abrace e deite do meu lado
Posso tremer com seu amor por toda vida
Finalmente encontrei uma esposa para meu coração
Eu posso desistir do que sobrou
Meu coração derreteu no caminho do seu amor
Posso dizer que te amo até morrer

Eu apenas o olho. Sinto as palavras da canção me baterem como ferro quente. Me marca. Por Deus, como eu queria que esse dia fosse real, como eu queria ter certeza que tudo que eu vivi com ele foi real. Quando a música acaba eu agradeço a tudo que há de mais sagrado.

Eu não vejo mais a festa passar. Tudo não passa de um borrão em minha mente. Eu bebo, eu danço, eu festejo dentro do inferno em que me enfio.

Eu quero as mãos dele em mim, quero sua voz berrando que era tudo uma mentira, uma armação descabida. Eu quero seu beijo, eu quero seu amor.

Eu não vejo em que momento sou colocada dentro do carro. No fundo de minha mente eu escuto risadas, música, pessoas dançando, amando, comendo e bebendo. Mas eu sou levada para o carro. Escuto o motor ligar, escuto os vidros descerem, sinto o vento em meu rosto assim que o carro parte para sei lá onde.

Quando abro meus olhos de novo, percebo que ainda estamos dando volta. Olho para o lado e vejo Alexandre segurando firme o volante. Seus olhos estão vermelhos, molhados. Eu fecho os meus.

A náusea toma conta de mim.

Eu não sei se são as lembranças ou se o álcool.

Deixo minhas lágrimas caírem. Ele para o carro  e percebo que estamos perto da antiga igreja de Santa Sofia. Já era noite e eu me pergunto o quanto bebi ou quanto tempo ele passou dirigindo comigo apagada do seu lado.

Olho para ele, ainda estou terrivelmente tonta e quando abro a boca minha fala sai enrolada.

— Por que... por que você tinha que ter feito isso, Alexandre? — as lágrimas caem livre, eu limpo meu rosto pouco me importando com a maquiagem borrada. — Por que você tinha que estragar tudo?

Vejo ele limpar o próprio rosto, desviando o olhar para fora.

— Desculpa. Eu fiquei desesperado com a possibilidade de te ver sendo tomada por aquele homem.

— E então você me compra? Você me comprou como se eu fosse... pelo amor de Deus.

Ele abaixa a cabeça.

— Desculpa, por favor.

— Não dá... tudo foi uma mentira. Nero, você mentiu o tempo inteiro sem nem piscar, como... — meu choro sai agoniado.

Eu me deixo levar, e escuto ele fazer o mesmo. Me sinto tão sufocada que abri a porta do carro, e então a náusea se transforma em algo pior e eu jogo para fora todo álcool e ódio dentro de mim.

A próxima coisa que sinto são as mãos dele afastando o cabelo do meu rosto. Ele passa as mãos pelas minhas costas e quando eu finalmente me recupero, me apoio na lataria.

Ele afastar os fios do meu rosto, tira um lenço do porta luvas, limpa meu rosto. Quando o olho, reconheço o homem com cheiro de cigarro que me entregou o diploma naquela noite e que estava tão preocupado com a minha felicidade.

E percebo que ele nunca existiu.

— Você quebrou meu coração, Alexandre.

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