II

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nazlanmak: fingir relutância ou indiferença quando na verdade quer muito; dizer não, querendo dizer sim.





Não demorei muito para chegar em casa, existia certa facilidade em morar perto do metrô. Era tarde, tirei meus sapatos, joguei minha bolsa de lado. Acendi as luzes e logo Pamuk veio me cumprimentar. O gato laranja se esfregou em minhas pernas, me dando boas vindas, algo que parecia até mesmo uns 'parabéns'. Parabéns, querida humana, você estava formada. Parabéns, você sobreviveu a noite mais solitária de sua vida, onde seu pai não foi capaz de dar as caras, mesmo depois de tantas promessas.

Me deixei cair no sofá, ouvindo a noite silenciar lá fora. Meu celular não tinha nenhuma notificação.

Era ridículo pensar que meu pai apareceria por um momento, um bêbado endividado era meu único parente de sangue, uma ligação sem igual, principalmente após a morte de mamãe. Me sento no sofá, arrumo meu cabelo. Não adiantaria nada choramingar por coisas que não mudariam nunca, e agora eu estava formada, precisava trabalhar na minha área para continuar pagando minhas contas.

Caminho para o quarto, meu pequeno apartamento se tornando enorme a medida que o cansaço começava a tomar conta de mim.

— Pamuk, definitivamente você precisa dormir a noite toda, não quero cobranças de petiscos de madrugada. — resmunguei enquanto pegava meu pijama para um banho.

Enquanto a água quente caía sobre mim, recapitulava os últimos 4 anos de minha vida. A morte de minha mãe, a entrada na universidade de artes, o desejo de sair de perto de tudo que me lembrava o que era ter uma família, meu desejo de voltar para a Itália, ficar lá, me refazer.

Escuto Pamuk abrir a porta do banheiro, deitando em frente a pia, querendo ficar perto como se soubesse que minha noite tivesse sido péssima.

Mesmo tentando aproveitar com meus amigos, ainda esperava uma notificação de meu pai pedindo desculpas, dizendo que estava vindo para Istambul só para me ver vestida de beca e jogando o chapéu de formatura para cima.

Delírios que não me cabiam mais aos 25 anos.

Me troquei, penteei meu cabelo, apaguei as luzes, me deitei.

A luz da lua que entrava pela janela iluminava o ambiente, e olhava para o teto, refletia.

Logo meu nariz reclama, um cheiro de cigarro insuportável, meu vizinho do andar de cima devia estar com insônia mais uma vez. Fecho minha janela, acendo um incenso para espantar esse odor. Me lembro do homem que admirava o Bósforo, o mesmo que entregou meu diploma.

Fique feliz, Giovanna. Hoje é um dia feliz para você.

Bufei, se ao menos ele soubesse. Não era nada feliz estar sozinha nesse mundo, não era nada feliz receber ligações do banco, não era nada feliz não ter com quem contar de verdade.

Fique feliz, Giovanna. Que coisa mais ridícula de se ouvir de um homem que fumava sozinho, olhando o nada, alheio aos problemas dos outros. Foi o que ouvi sobre Alexandre Nero de meus amigos depois. Grande empresário, homem rico, onde muitas especulações eram feitas sobre sua vida e até mesmo envolvimento com o crime organizado.

Seja feliz.

Disse o homem que devia deixar pessoas infelizes o tempo inteiro.

Quando abri os olhos, finalmente era dia, a claridade afastando meu sono de maneira cruel. Em pouco tempo eu estava pronta e saindo de casa, comeria na rua assim que achasse um carrinho de café aberto. Foi só quando cheguei no Centro Cultural de Ataturk, que finalmente achei um lugar aberto para comer. Desvantagens de se acordar muito cedo para trabalhar.

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