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O cheiro de terra úmida e folhas secas enchia meus pulmões enquanto eu caminhava pela floresta, os dedos ágeis passando pelos ramos baixos à procura das ervas que Miray me pedira. As folhas de carvalho pendiam pesadas, quase tocando o solo, e eu me abaixava com frequência para arrancar pequenas plantas que cresciam entre as raízes. O sol já começava a se esconder por trás das árvores, lançando longas sombras que pareciam me seguir.

Minhas mãos estavam sujas de terra, e as unhas, cheias de pequenas lascas de galhos. A cesta que eu carregava em um dos braços já estava quase cheia, mas ainda faltavam algumas ervas que eram essenciais para os elixires que a anciã prepararia. O odor amargo de arruda misturava-se ao frescor das outras plantas, criando uma combinação que não deixava dúvidas de que era uma poção para doenças graves. A febre vinha tomando a aldeia há dias, e o medo da fome crescia. As colheitas estavam cada vez mais escassas, e os lobos na floresta nos mantinham confinados atrás das muralhas assim que o sol se punha.

Eu devia ter voltado há horas, mas perder tempo não era uma opção quando se tratava de ajudar a anciã. Ela sabia tanto sobre as ervas, sobre os segredos da floresta, mas seus ossos cansados não a permitiam mais caminhar pelos bosques. Eu era sua única esperança de manter o pouco de saúde que ainda restava no vilarejo.

O vento aumentava, e com ele vinha um frio que começava a fazer meus dentes rangerem. Levantei o olhar para o céu; o sol estava perigosamente baixo. O toque de recolher viria em breve, e eu ainda estava longe dos portões da aldeia. Um nó se formou no meu estômago. Não podia demorar mais. Apressei o passo, quase correndo entre as árvores, tentando evitar as raízes que se erguiam traiçoeiras do chão. Meu coração batia mais rápido a cada minuto que passava.

A floresta, que antes parecia tranquila com seus sussurros de folhas, agora começava a se transformar em algo mais sinistro. As sombras se alongavam, e a sensação de ser observada me pressionava. Sabia que os lobos espreitavam nas profundezas da mata, esperando o menor deslize para atacar. Não podia deixar que me vissem. Corri com mais força, a cesta balançando desajeitadamente no meu braço, as ervas quase saltando para fora.

Consegui ver o topo do muro de madeira da aldeia no horizonte, e um alívio breve se instalou em mim. As muralhas eram altas, feitas de troncos grossos e resistentes. Por um momento, pensei que não conseguiria voltar a tempo. Mas os portões ainda estavam abertos, e os guardas já se preparavam para fechá-los. Eu estava atrasada.

Aumentei o ritmo, o cansaço começando a pesar nas pernas, mas o medo era maior. Não podia ficar de fora quando os lobos começassem a caçada noturna. Quando finalmente alcancei os portões, ofegante e suada, um dos guardas já estava empurrando as enormes portas de madeira para fechá-las.

- Espera! - gritei, a voz falhando. - Espera!

O guarda parou, olhando para mim com desdém. Seu olhar era frio e irritado, claramente contrariado por ter que esperar.

- Está atrasada de novo, Evrin - ele rosnou, cruzando os braços. - Quantas vezes vamos ter que te avisar? Se estivesse morta na floresta, seria menos um problema pra gente.

Senti meu rosto queimar de vergonha e raiva, mas não podia responder. Tinha errado, sabia disso, mas era pela aldeia que eu fazia aquilo. O segundo guarda, mais velho e mais cruel, aproximou-se, empunhando sua lança com desdém.

- Está colocando todos em risco. Sabe que os lobos farejam qualquer coisa além dos portões à essa hora. Eles deviam te deixar de fora para aprender uma lição - ele cuspiu no chão, seus olhos cravados em mim com uma mistura de desprezo e indiferença.

Engoli em seco, tentando segurar as lágrimas de frustração que ardiam em meus olhos. Não havia ninguém para me defender. A aldeia estava em uma situação desesperadora, e eu era apenas a ajudante da anciã. Se não fosse por ela, provavelmente já teriam me ignorado, me deixado à mercê dos lobos.

- Eu... eu só estava colhendo as ervas para a anciã - tentei explicar, ainda ofegante. - Estamos ficando sem, e a febre...

- Não me interessa! - gritou o mais velho, dando um passo à frente. - Quer morrer? Morra, mas não traga essa maldição pra dentro das muralhas.

Ele me empurrou para dentro com força, me fazendo tropeçar e quase cair. As ervas na cesta chacoalharam, algumas folhas caindo pelo caminho. As portas se fecharam com um estrondo logo atrás de mim. Eu estava a salvo, mas a humilhação e o medo ainda me queimavam por dentro. O som pesado do ferrolho sendo trancado ecoou, e por um segundo, o silêncio caiu sobre a aldeia.

Caminhei devagar em direção à casa da anciã, meu corpo ainda tremendo. As poucas pessoas que andavam pelas ruas àquela hora olhavam de soslaio para mim, algumas com desprezo, outras com pena. Não era incomum que me vissem assim, correndo contra o tempo, sempre atrasada. Mas hoje parecia pior.

Quando cheguei à cabana da anciã, bati de leve na porta, temendo o que ela diria. Eu sabia que ela não me repreenderia, mas o peso das minhas falhas parecia dobrado depois do que os guardas haviam dito. A porta rangeu ao se abrir, e o rosto enrugado e sábio da velha mulher apareceu, seus olhos castanhos me avaliando com cuidado.

- Entrou a tempo? - ela perguntou, a voz baixa e arrastada.

Assenti, sem conseguir encontrar palavras.

- Bom. As ervas?

Levantei a cesta, mostrando o que havia conseguido colher. Ela pegou a cesta de minhas mãos com um aceno de aprovação.

- Amanhã será pior, sabe? - ela comentou, voltando para o interior da cabana, enquanto eu a seguia. - O inverno está chegando, e os lobos ficarão mais ousados. Prepare-se. Haverá mais trabalho.

Eu sabia disso. Sabia que o peso da sobrevivência da aldeia não estava só nas minhas mãos, mas nas de todos nós. E mesmo que eles me odiassem, me tratassem mal, eu continuaria indo à floresta. Afinal, se parássemos de lutar, o que nos restaria?

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