A Herança Da Lua

58

Eu ainda sentia o calor das mãos de Ahren nas minhas costas, o toque firme que parecia querer me manter presa no lugar. Ele tinha me deixado com uma sensação de segurança, mas eu não podia me afundar nesse conforto agora. Havia muita coisa em jogo, e eu tinha que me manter focada. Ou, pelo menos, era o que eu tentava me convencer enquanto fazia meu caminho até o campo de treino.

O frio do inverno cortava a pele, e eu puxei o casaco mais apertado ao redor do corpo antes de me afastar do quarto. O silêncio do corredor parecia ecoar as preocupações na minha cabeça. Davian. Os híbridos. A aldeia selada. Cada pensamento era uma onda que batia com força, deixando um rastro de inquietação. Quando cheguei ao Fosso, Eli e Nylla já estavam lá, alongando e preparando as armas.

- Achei que ia nos dar um bolo hoje - brincou Eli, tentando aliviar o clima.

Eu apenas forcei um sorriso, minha mente ainda presa nos eventos da reunião. Peguei um arco de treino e testei a corda, sem realmente prestar atenção ao que estava fazendo. Nylla se aproximou, o rosto preocupado.

- Você está bem? - perguntou, a voz baixa e suave, quase um sussurro que o vento cortante levava embora. - Se quiser conversar, estamos aqui.

- Sim, eu... estou bem - menti, a resposta automática. Não estava pronta para falar, especialmente com eles ali, todos juntos.

Davian estava ao fundo, calado como sempre. Parecia perdido em pensamentos, os olhos fixos no nada, talvez ainda digerindo o peso do que havia revelado. Ou talvez estivesse calculando suas próximas palavras, guardando algo que não queria compartilhar ainda.

A cada flechada que eu soltava, sentia a tensão aumentar ao invés de diminuir. Meus braços doíam, mas minha mente estava em outro lugar. Os conselhos de Ahren, a segurança dos híbridos, a incerteza do que o Conselho sabia - tudo isso se misturava em um nó apertado dentro de mim. Quando finalmente fiz uma pausa para beber água, me afastei, tentando respirar fundo. O ar frio não ajudava.

- Distraída? - A voz cortante de Andras me fez quase engasgar com a água. Ele se aproximou lentamente, os olhos brilhando de um jeito que me deixou alerta.

- O que você quer, Andras? - perguntei, já sabendo que ele estava ali para me provocar, para jogar algo na minha cara, como sempre fazia.

Ele se encostou em uma parede de pedra, cruzando os braços com aquele sorriso cínico.

- Só achei que alguém deveria te lembrar das suas responsabilidades - disse, a voz repleta de sarcasmo. - Você tem andado por aí com essa cara de quem carrega o mundo nas costas, mas, na verdade, quem está fazendo isso é Ahren. Ele toma as decisões, não é?

O sangue subiu ao meu rosto. Eu não precisava que ele apontasse o óbvio.

- Eu sei disso. Não estou de braços cruzados. Só estou... tentando entender tudo. - Me esforcei para manter a calma, mas ele me conhecia bem demais.

- Tentando entender? - Ele riu, um som seco que reverberou no espaço vazio. - Evrin, você está enrolando. Enquanto você hesita, pessoas como Davian estão segurando o peso de decisões que você devia estar ajudando a tomar.

Eu senti o golpe como um tapa. Ele estava jogando tudo na minha cara de forma cruel, mas verdadeira. Eu estava hesitando. Talvez fosse o medo de falhar, talvez fosse o medo de estar errada. Andras deu um passo à frente, os olhos fixos nos meus.

- Não é só sobre você, sabe? Não é só sobre seus medos ou suas dúvidas. É sobre a alcateia inteira, os híbridos, o que vai acontecer com todos nós. Enquanto você fica aqui, tentando descobrir o que fazer, o tempo está correndo. E, se você não fizer nada, alguém vai pagar por isso.