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Sentei-me em frente ao fogo, as pernas cruzadas sobre as peles macias e as almofadas ao meu redor, enquanto o calor das chamas envolvia o quarto. Puxei o pente de madeira e comecei a deslizar pelos fios ainda úmidos, me perdendo no ritmo tranquilo do movimento.

A cada passada, uma lembrança de Miray surgia. Era ela quem costumava pentear meu cabelo quando eu era pequena, pacientemente, como se cada fio precisasse de cuidado e atenção. Em nossa pequena cabana, ela se sentava na velha cadeira de balanço, o rangido suave preenchendo o ambiente, e eu ficava no chão, sentindo seus dedos me aliviarem de qualquer peso ou preocupação. Às vezes ela contava histórias, mas na maioria das vezes, o silêncio confortável era o suficiente.

O fogo estalou, e por um instante, pude quase vê-la ali, tricotando em frente ao calor, o rosto sereno e concentrado. O calor do quarto misturava-se ao da lembrança, trazendo uma saudade que aquecia e apertava o peito ao mesmo tempo. Era um consolo silencioso, como se Miray ainda estivesse cuidando de mim.

Ahren havia saído ao cair da tarde, com a expressão carregada. A situação com os renegados demandava atenção, e eu sabia que ele estaria fora por algumas horas. Tentei não me preocupar, mas era impossível afastar a tensão dos ombros ou a sensação incômoda de que algo estava sempre à beira de desmoronar.

Passei um tempo com minha mãe depois que ele saiu. Conversamos sobre coisas práticas, sobre como poderia ajudar com as curandeiras. Ela sugeriu que eu começasse amanhã, e eu concordei, mesmo sem ter certeza se elas aceitariam a ideia. Quando nos despedimos, uma sensação de leveza surgiu, embora o nervosismo de encarar algo novo também se misturasse.

Ao retornar ao quarto, tudo parecia imensamente quieto. Deixei a água quente do banho correr pelo corpo, como se pudesse levar embora parte dos pensamentos e do cansaço. Quando terminei, enrolei-me em roupas confortáveis, sem o menor impulso de sair para jantar. A ideia de me misturar a todos agora era exaustiva demais.

Enquanto eu terminava de pentear os cabelos, ouvi a porta se abrir e vi Ahren entrar com uma bandeja nas mãos. Ele caminhou até mim, colocando-a ao meu lado, e o cheiro quente e reconfortante da comida me envolveu, a sopa quente exalando um cheiro de ervas que imediatamente fez meu estômago roncar. Com um leve sorriso, ele se acomodou ao meu lado, mas eu podia ver a tensão nos ombros dele.

- Sua mãe disse que você não desceu para comer - ele comentou, dando-me um olhar de leve reprovação.

Suspirei, largando o pente ao meu lado. - Estava dolorida demais depois do treino para descer.

Ele deu um leve sorriso, e por um instante o cansaço pareceu diminuir apenas por estar ali. Mas eu sabia que sua expressão séria escondia mais do que cansaço.

- Como foi? - perguntei, hesitante, enquanto ele pegava um pedaço de pão da bandeja.

Ahren suspirou, seu olhar se perdendo por um momento nas chamas da lareira.

- A situação está... complicada, pra dizer o mínimo - começou ele, os olhos fixos no fogo. - Theron está usando renegados para manter nossa atenção dispersa e nos desgastar. E ainda precisamos descobrir uma forma de entrar na construção. Eles dobraram a quantidade de guardas, e as armadilhas ao redor da construção foram aprimoradas. Agora não basta se esquivar, temos que saber exatamente por onde passar, senão...

Enquanto ele falava, uma sensação de ansiedade começou a apertar meu peito. O clima pesado do quarto parecia se intensificar a cada palavra dele.

- Amanhã... - disse, lançando um olhar rápido na minha direção. - Amanhã eu irei conversar com o informante na aldeia. Ele pode nos atualizar sobre o que o Conselho anda tramando. E quem sabe ele possa dizer algo sobre a lista que o Davian trouxe. Pode ser nossa chance de uma vantagem.

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