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Cada passo que Davian dá me joga contra seu ombro, e o desconforto se arrasta pelo meu estômago, uma náusea amarga que parece subir cada vez que ele se move. Tento abrir os olhos, mas tudo ao redor é um borrão branco. A neve cai espessa e fria, cobrindo o chão, e as pegadas dele desaparecem quase que instantaneamente, como se a própria floresta estivesse apagando qualquer vestígio de nossa passagem.

O vento corta meu rosto, cortando como lâminas, e o ar frio parece se enfiar nos meus pulmões, queimando de dentro para fora. Tento mover um braço, mas meu corpo pesa, entorpecido. O que estou fazendo? Por que ainda luto? A imagem de Ahren vem à minha mente, mas sinto o coração apertar. Ele deixou bem claro... Não arriscaria mais ninguém. Nem por mim, penso, e a dor de admitir isso é mais gelada que o próprio vento.

Minhas pálpebras pesam, e o som abafado dos passos de Davian vai ficando distante. Não consigo evitar o amargo da resignação que se instala em mim. Talvez ele esteja certo. Ahren não virá. Com esse pensamento me quebrando por dentro, me entrego ao cansaço, deixando que o mundo ao redor desapareça em um véu branco de neve.

Aos poucos, minha mente emerge de um nevoeiro pesado. Meus olhos piscam, desfocados, até que as árvores ao redor começam a ganhar forma. Tento me situar e percebo que reconheço o caminho: estamos perto da aldeia. Mas algo está diferente. As árvores foram derrubadas em um largo perímetro, e onde antes havia apenas a floresta, agora surgem estruturas imponentes, elevadas como sentinelas de madeira e metal.

Um posto de observação se destaca, uma torre áspera e improvisada, mas suficientemente alta para que os guardas patrulhem com uma visão ampla. Eles estão lá em cima, movendo-se sob o céu cinza, cobertos até os olhos com mantos grossos, armas pesadas pendendo ao lado. Mal consigo distinguir suas palavras, mas ouço Davian trocando rápidas instruções com alguns deles, o tom autoritário, como se já fosse esperado.

Ele avança mais alguns passos antes de parar de repente. Sinto meu corpo escorregar dos ombros dele, a gravidade me puxando para baixo até que meus pés tocam o chão. As pernas, fracas e dormentes, quase me derrubam, e tenho que me forçar a manter o equilíbrio. Meus braços, amarrados e entorpecidos, latejam de desconforto, mas isso nem se compara ao ódio que cresce no peito ao encarar Davian.

Ele retribui meu olhar com indiferença, como se nada disso tivesse importância, antes de me virar bruscamente. Dou um passo desajeitado e ergo o rosto - e lá está ele, à minha frente.

Theron. O sorriso satisfeito em seu rosto é de pura crueldade, seu olhar frio me fere tanto quanto a lâmina de uma faca.

Theron dá alguns passos para mais perto, envolto em um casaco de peles que parece feito para suportar o frio mais intenso. É sofisticado, cuidadosamente costurado, com detalhes de couro escuro e um capuz forrado. As peles, grossas e familiares demais, fazem meu estômago revirar. Eu me pergunto quantos ele deve ter sacrificado para exibir aquele troféu.

- Meus parabéns, Davian - ele diz, satisfeito. - Pensei que não fosse conseguir.

Davian faz uma careta e retruca, a voz tensa. - Agora cumpra a sua parte no trato.

Theron o observa por um instante, ainda sorrindo, como se divertindo-se com a urgência de Davian. Então ele se aproxima de mim, o sorriso ainda estampado no rosto, e faz um aceno para os dois guardas ao seu lado. Eles avançam sem hesitar, cada um agarrando um dos meus braços com mãos firmes, apertando-me com força suficiente para causar dor. Theron se inclina, o olhar cruel brilhando nos olhos dele, e diz, com uma voz melosa e provocativa:

- Estava com saudades de casa, Evrin?

O ódio que sinto por ele é tão intenso que parece queimar, e penso que poderia viver em paz pelo resto da vida sem jamais ter que ver o rosto odioso dele outra vez. Sem pensar muito, jogo a cabeça para trás e depois a impulso para frente com toda a força que tenho. O impacto é direto no nariz dele, e o som inconfundível do osso se partindo ecoa no ar. Uma onda de satisfação surge dentro de mim, mesmo que a dor reverbere pela minha testa.

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