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Enquanto as chamas crepitavam e o calor do fogo nos envolvia, eu não podia deixar de pensar onde estávamos. O vento soprava suavemente, trazendo consigo o cheiro fresco da neve, mas também um toque de algo mais ancestral, uma presença que sempre estivera ali, invisível e opressiva. Estávamos no território dos lobos, um lugar onde a noite costumava ser sinônimo de morte certa, um domínio que poucos ousavam desafiar.

Lembrei-me das histórias sussurradas entre os aldeões, advertências sobre os perigos que se escondiam sob a luz da lua. A floresta tinha um jeito de se transformar à noite, os sussurros das árvores parecendo ecoar com vozes longínquas, e os olhos dos lobos reluzindo como brasas na escuridão. Para muitos, era um lugar amaldiçoado, onde aqueles que entravam nunca mais voltavam.

— Evrin, consigo ver os pensamentos rodando na sua cabeça. — disse Davian, interrompendo meus pensamentos.

— É difícil não pensar — respondi. — Este lugar… Ele tem uma história. Antes, passar a noite aqui significava ser um alvo, uma presa.

— E agora?

— Agora estamos aqui, lutando. Mas ainda sinto a sombra do que os lobos representam — eu disse, a voz carregada de incerteza. — Cada ruído na floresta pode ser um aviso, ou o chamado de um lobo faminto. A ideia de que estamos em suas terras…

É tanto aterrorizante quanto fascinante.

Davian assentiu, e a expressão em seu rosto refletia a mesma luta interna. O lugar onde antes éramos apenas caçadores agora era o lar de criaturas que desafiavam a própria natureza, seres que se moviam entre o sobrenatural. O mistério dos lobos, sua força e ferocidade, sempre foram temas de lendas que nos cercavam, como se estivéssemos em um jogo de xadrez onde éramos as peças, impotentes contra os movimentos deles.

Mas depois de tudo o que vi naquela sala, eu não sabia mais em que acreditar.

— Você acredita que eles nos observam agora? — perguntou Davian, seu olhar perdido nas sombras.

— Eu não sei — respondi, o coração acelerando. — Dizem que eles sentem nosso medo, e isso os torna mais poderosos.

A ideia de que podíamos ser presas em vez de caçadores, de que tínhamos a audácia de permanecer aqui, enchia-me de pavor.

Mas havia muito que não sabíamos. Muito que esconderam de nós. Não pude deixar de pensar no lobo negro, ele poderia ter me matado se quisesse. A mim, e a Nathan.

Mas ele não fez. Porque?

Talvez a noite não fosse mais um prenúncio de morte, mas uma oportunidade de enfrentar o que temíamos. Enquanto o fogo queimava e a noite se aprofundava, percebi que éramos mais do que apenas viajantes perdidos. Estávamos tecendo nosso próprio destino, desafiando as lendas que antes nos aprisionavam.

E assim, na escuridão do território dos lobos, eu soube que estávamos prontos para não apenas sobreviver, mas também para reivindicar nosso lugar nesse mundo onde, um dia, o medo havia sido nosso único guia.




[...]




O cheiro da carne de lebre começava a preencher o ar, rico e reconfortante, contrastando com o frio cortante da noite. O fogo crepitava em um ritmo suave, e as chamas alaranjadas lançavam sombras dançantes nas árvores ao redor. O calor que vinha da fogueira começava a afastar a umidade gélida que se agarrava às nossas roupas e à pele, e a fumaça subia em espirais finas, misturando-se ao ar denso e carregado com o cheiro de pinho e neve.

Davian estava agachado próximo ao fogo, girando o espeto improvisado onde a lebre assava lentamente. Ele estava concentrado, os olhos fixos na carne que começava a dourar, a gordura estalando enquanto escorria sobre as chamas. Eli, por outro lado, estava mais quieto do que o habitual, sentado com os joelhos junto ao peito, os braços abraçando-se como se tentasse se proteger do frio, embora o fogo o aquecesse. Eu sentia que algo pesava sobre ele, assim como sobre mim. A captura, a fuga, e agora o território dos lobos — tudo parecia maior do que nós.

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