A Herança Da Lua

63

Os dias se passaram em um ritmo quase hipnótico, onde cada manhã começava com o sol filtrando-se pelas fendas da alcateia, iluminando os corredores com uma luz suave e dourada. Acordava cedo, antes que o restante da alcateia estivesse em movimento, e seguia para o treinamento. As aulas eram intensas, cheias de desafios que testavam não apenas minha resistência física, mas também minha mente. Eu me sentia mais forte a cada dia, absorvendo as lições e aplicando cada ensinamento.

Depois das manhãs extenuantes, dirigia-me às áreas de cura, onde ajudava as curandeiras com ervas e remédios. Miray sempre aparecia em meus pensamentos, e a cada vez que eu amassava uma planta ou preparava um tônico, sentia como se estivesse honrando os ensinamentos que ela me transmitira. Havia algo reconfortante em rever o velho conhecimento, adquirindo novos. Uma sensação de que estava de volta ao lar, mesmo quando isso significava lidar com ferimentos e doenças que surgiam entre os lycans.

O início das noites eram dedicados à pesquisa, mergulhando nos registros antigos e nas estantes de livros e potes que havia explorado com Viella. O frasco permanecia um enigma, e mesmo após dias de busca, as respostas pareciam sempre escapar das minhas mãos. Às vezes, a frustração me consumia, mas eu me mantinha focada, determinada a descobrir o que aquela poção continha e qual poderia ser seu impacto na nossa luta contra o Conselho.

Ahren estava constantemente ausente, envolvido em discussões e, mais importante, enfrentando os renegados e o Conselho. Havia um peso em sua ausência, um eco silencioso na alcateia que não conseguia ignorar. Eu sabia que ele se preocupava comigo, que estava cuidando de mim. Às vezes, alguém aparecia com uma refeição, lembrando-me de que não deveria negligenciar minha saúde. Essas pequenas intervenções eram uma ligação com ele, uma forma de saber que, mesmo longe, ele estava comigo.

Além disso, eu usava aqueles dias para me reconectar com minha mãe. Com cada conversa, cada risada e cada momento compartilhado, a relação entre nós se tornava mais forte. Havia muito que eu não sabia sobre ela, e havia muito mais que ela desejava saber sobre mim. O vínculo que antes parecia frágil começou a se solidificar, e eu percebia que minha mãe era tão forte quanto eu me lembrava, enfrentando os desafios da vida com determinação e coragem.

Enquanto o tempo avançava, eu sentia uma mistura de ansiedade e esperança. O Conselho poderia decidir agir a qualquer momento, e a tensão crescente na alcateia pesava sobre todos nós. Mas, em meio a tudo isso, a rotina, a luta e a redescoberta de minha relação com minha mãe, eu ainda me permitia sonhar. Sonhar com um futuro onde os laços entre a aldeia e a alcateia pudessem ser restaurados, onde a paz poderia reinar e onde eu e Ahren pudéssemos finalmente explorar tudo o que havia nas entrelinhas de nosso relacionamento.

[...]

A floresta se estendia diante de mim, envolta em um silêncio profundo e reconfortante. O ar estava frio, mas o cheiro das árvores e do solo úmido trazia uma sensação de vida que me preenchia. Era um final de tarde clara, e os raios de sol filtravam-se pelas nuvens pesadas, não demoraria a nevar. Sentia que precisava de um respiro, uma pausa para escapar da pressão que me consumia dentro da alcateia.

Estávamos em busca de raízes para as curandeiras, um trabalho que sempre me trouxe um senso de propósito, mas hoje era diferente. A frustração acumulava-se em mim, como uma bolha prestes a estourar. Tentei, de todas as maneiras, desvendar o mistério do frasco e entender o que estava acontecendo ao meu redor, mas as respostas continuavam se esquivando. Ao me oferecer para sair, notei o alívio nas expressões das curandeiras mais jovens. Elas, que normalmente evitavam a floresta no inverno, pareciam gratas por não terem que encarar o frio.

Davian havia aparecido em meu caminho quando estava prestes a partir. Ele me ofereceu uma expressão compreensiva, seus olhos refletindo um desejo de mudança semelhante ao meu.