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O ar no Fosso estava denso e frio, carregando uma tensão que não se dissipava desde as perdas recentes. A alcateia estava em luto, e aquele sentimento parecia embrenhar-se em cada pedra, em cada corredor. Era impossível ignorar o peso das ausências. Eu também não conseguia. Só tinha dormido algumas horas, e, quando Ahren saiu para resolver as questões urgentes, fiquei sozinha, sem conseguir me desligar das lembranças da noite anterior. Permanecer na cama parecia uma tortura, então resolvi me levantar e treinar. Talvez, ao me ocupar, o barulho na minha cabeça finalmente desse uma trégua.

Quando cheguei, fiquei surpresa ao ver que não estava sozinha. Eli, Nylla, Davian e alguns outros jovens lycans, com quem tínhamos criado certa amizade, já estavam ali, se aquecendo e trocando golpes rápidos e calculados. Havia uma determinação em seus rostos, mas era impossível não notar o traço de tristeza, de raiva velada, escondido por trás dos olhares.

Davian me notou primeiro, acenando de leve. Eli e Nylla vieram logo depois, aproximando-se, cada um oferecendo um cumprimento silencioso. Não havia necessidade de palavras; apenas a presença deles já era um consolo.

Eli olhou para mim, o semblante preocupado. Ele parecia exausto, como se também não tivesse dormido bem.

- Não esperava ver você por aqui tão cedo - ele disse, cruzando os braços.

- Não consegui descansar direito - respondi, tentando sorrir, mas o sorriso morreu antes de se formar.

Eli assentiu, parecendo entender, olhou ao redor, certificando-se de que os outros estavam ocupados com os próprios treinos, antes de se aproximar e abaixar a voz.

- Ouvi dizer que vão trazer todos os lycans da aldeia para cá. É verdade?

Assenti, sentindo o peso daquela decisão. - Sim. Acham que é a melhor coisa a se fazer, especialmente depois do que aconteceu. Quanto mais tempo ficarem expostos, maior o risco.

Eli respirou fundo, desviando o olhar para o chão, como se tentasse digerir a informação. - Não posso dizer que discordo. Mas... é estranho pensar que vão sair de suas casas, do pouco de normalidade que ainda tinham, para viver aqui.

Olhei para ele, entendendo a inquietação que ele tentava expressar. - Eu sei. Não é uma escolha fácil, mas o Conselho não vai parar de nos caçar. E com aquelas novas armas...

Eli balançou a cabeça, a expressão amarga. - Eles vão exterminar qualquer ameaça... Não vão parar até sentirem que têm controle absoluto. É só questão de tempo até tentarem encontrar este lugar também. - Ele hesitou, como se as palavras lhe pesassem na boca. - Tem alguma coisa que você acha que a gente deveria fazer?

Suspirei, passando a mão pela nuca, sentindo a tensão se acumular.

- Sinceramente, não sei. Parte de mim quer ir lá e lutar, impedir que mais alguém seja ferido. Mas... me conhecendo, sei que é a impulsividade falando. Ahren tem razão ao ser cauteloso. Cada decisão agora é um risco.

Ele assentiu, embora seus olhos estivessem distantes. - Isso tudo está ficando cada vez mais fora de controle.

- Nem me fale.



[...]



Caminhei lentamente pelos corredores da alcateia, sentindo cada músculo do meu corpo pesando após horas de treinamento extenuante, mas o cansaço não conseguia dissipar a névoa que me envolvia. Cada passo era uma luta, e o cheiro familiar da madeira queimada e do ar úmido da montanha preenchia minhas narinas.

À medida que me aproximava da área de tratamento, os sons suaves de sussurros e murmúrios se intensificavam. O espaço era amplo, com camas cobertas por peles de animais, oferecendo um conforto aos feridos. A luz do dia entrava por pequenas aberturas nas paredes, filtrando-se em feixes que dançavam sobre os rostos pálidos dos que estavam em recuperação. Vi minha mãe, movendo-se com agilidade entre os leitos, oferecendo cuidados e palavras de encorajamento.

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