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Acordei com a sensação de calor se espalhando pelo meu corpo, eu me sentia quente. O crepitar suave da lareira ainda preenchia o silêncio ao meu redor. Pisquei lentamente, percebendo que o crepúsculo já havia dado lugar à escuridão. O ar estava denso e frio, embora o interior da casa continuasse aquecido pelas chamas.

Miray estava sentada próxima à janela, as mãos ágeis, tricotando algo com uma tranquilidade que parecia fora de lugar. As agulhas tilintavam em um ritmo constante, acompanhadas apenas pelo estalo ocasional da lenha que queimava no fogo. Ela não me olhou, mas sabia que eu estava acordada.

Esfreguei os olhos, tentando me livrar da névoa do sono, mas a realidade logo voltou a se impor. A construção. As celas. O que eles estavam escondendo ali?

- Você dormiu mais do eu que esperava - disse Miray, sem levantar os olhos do tricô, a voz dela era calma, mas com uma leveza que contrastava com o peso que eu carregava nos ombros.

Eu me espreguicei, sentindo os músculos tensos depois do cochilo. Do lado de fora, as sombras da noite dominavam o céu. Era um alívio voltar à segurança do lar.

- Já está escuro - murmurei, sentando-me devagar. A sensação de urgência voltava com força, agora que meu corpo estava desperto. - porque não me acordou?

Lá fora, o vento soprava frio contra as janelas, e uma fina camada de neve começava a cobrir o chão.

Miray parou de tricotar por um segundo, como se considerasse minha pergunta, e então voltou ao ritmo cuidadoso das agulhas.

- Você parecia precisar dormir - respondeu ela, sem deixar de trabalhar no tecido. - Para onde você foi hoje, Evrin?

Eu hesitei. As imagens voltaram à mente com clareza - os corredores vazios, as grades das celas, as correntes, os sussurros de uma verdade que eu ainda não conseguia compreender completamente. Mas o que me incomodava não era apenas o que eu havia visto, mas o que eu não havia encontrado. Algo estava profundamente errado naquela construção.

Para onde eles levaram as caixas do galpão?

- Não sei por onde começar... - disse, a voz um pouco trêmula. - Há uma construção na floresta Miray. O lugar estava vazio... ou pelo menos parecia estar. Mas senti como se houvesse algo mais... escondido.

Miray finalmente ergueu os olhos, a expressão neutra, mas seus olhos sempre transmitiam mais do que as palavras.

- Você sempre sente quando algo não está certo. - Ela disse, colocando o tricô de lado e me olhando com mais atenção. - Mas talvez haja mais do que seus olhos podem ver.

Eu sabia que ela estava certa. Desde a infância, eu confiava nessa sensação, esse alerta interno que me guiava por entre segredos e perigos. Mas agora, diante do mistério que cercava a vila e o conselho, essa sensação parecia mais pesada, mais perigosa.

- O que eles estão escondendo, Miray? - perguntei, minha voz quase um sussurro. - Eu sei que você também percebe isso. Eles não são mais os mesmos.

Ela não respondeu imediatamente. Seu olhar recaiu sobre o fogo por um longo momento antes de falar, como se estivesse ponderando as palavras com cuidado.

- Você não está errada - disse ela, com um tom mais baixo, quase sussurrado, como se as palavras carregassem um peso perigoso. - O que eles estão escondendo não é algo que se revela aos olhos comuns.

Minha respiração ficou presa na garganta. Sempre soube que Miray sabia mais do que deixava transparecer, mas agora parecia que estava prestes a compartilhar algo importante.

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