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Lycan.

A palavra ressoava, ecoando como uma verdade que até agora permanecera oculta, mas que, de repente, se revelava com brutal clareza. O choque ainda pesava sobre mim, e enquanto meus pés descalços faziam contato com o chão frio, uma parte de mim tentava desesperadamente compreender o que isso significava.

Sempre soube que havia algo de diferente em mim. Desde criança, eu notava coisas que os outros não percebiam - como o sussurro do vento carregando segredos que eu entendia sem entender, ou o modo como a lua me atraía, me acalmava de uma forma quase visceral. Eu me sentia conectada a algo, mas nunca poderia ter imaginado que seria isso. Uma lycan.

A ideia me deixava atordoada, uma confusão de emoções que eu não sabia nomear. Parte de mim, uma parte quase primitiva, sentia uma estranha satisfação. Como se finalmente houvesse uma resposta para os sentimentos de alienação, para a sensação de não pertencimento que sempre me acompanhou, mesmo entre os meus. Mas outra parte de mim estava aterrorizada, como se aquilo fosse grande demais, como se eu fosse insuficiente para carregar esse fardo.

O toque inesperado de uma mão nas minhas costas quebrou meu devaneio. Meu corpo retesou de imediato, um sobressalto involuntário. Virei-me rapidamente para Ahren, meu coração ainda martelando no peito, e o encontrei me observando com aquele olhar atento, profundo, como se pudesse enxergar cada um dos meus pensamentos.

- Por aqui - murmurou ele, retirando a mão suavemente.

Sua voz baixa reverberou nas paredes ao nosso redor, o som firme, mas contido, como o lobo que ele era. Ele me guiou por uma curva no corredor, e senti o calor do toque dele ainda pairando sobre minha pele, mesmo depois que ele se afastou. Uma corrente silenciosa parecia passar entre nós, algo que eu não sabia se vinha de mim, dele, ou da estranha ligação que agora nos unia.

Enquanto caminhávamos, os corredores pareciam um reflexo de minha própria confusão interna. Parecia que as respostas estavam à espreita em algum lugar entre as sombras, mas eu ainda não conseguia vê-las com clareza. Eu estava prestes a fazer parte de um mundo que nunca soube que existia, e cada passo me aproximava mais da verdade - uma verdade que eu temia e ansiava ao mesmo tempo.

Eu podia sentir algo diferente dentro de mim, algo despertando lentamente, como uma fera que emerge de um longo sono. Será que sempre foi assim? Será que sempre estive à beira de descobrir isso? Desde que me entendo por gente, havia um vazio que eu não conseguia preencher, uma lacuna inexplicável. Agora, parecia que todas as peças começavam a se encaixar, mas eu ainda não sabia se queria ver a imagem completa.

- Onde estamos indo? - minha voz quebrou o silêncio de forma hesitante.

- Vamos comer - respondeu calmamente, como se fosse a coisa mais simples do mundo, embora o peso de suas palavras sobre minha herança ainda pressionasse contra meu peito. - Há algo que você precisa, antes de entender o restante.

Seus olhos encontraram os meus por um breve instante, e eu senti como se ele estivesse enxergando além do que eu mesma podia compreender. Meu corpo parecia carregar o peso da minha confusão, um fardo que eu mal começava a entender. Cada movimento, cada suspiro, agora carregava uma nova camada de significado. Eu não era apenas Evrin - havia algo mais dentro de mim, algo que me conectava a ele, e ao mesmo tempo, me assustava profundamente.

A sensação do chão sob meus pés, o frio das pedras, o silêncio dos corredores, tudo parecia mais intenso, mais real. Era como se meu corpo estivesse começando a reconhecer sua verdadeira natureza. Uma lycan. Não apenas uma criatura das lendas, mas uma verdade crua e viva, pulsando dentro de mim.




[...]





Ao dobrarmos a última curva do corredor, o espaço diante de mim se abriu para um salão iluminado por tochas e janelas largas esculpidas na rocha. O teto se erguia alto, sustentado por colunas de pedra bruta. O ar era mais quente aqui, carregado com o cheiro inebriante de pão recém-assado e carne temperada. Meus olhos percorreram o ambiente, sentindo uma leve tontura ao processar tantas novas informações de uma só vez. O som de conversas baixas e risadas chegava até mim, como um zumbido distante que lentamente se tornava mais nítido.

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