81 - Corações Separados (AYRTON SENNA)

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In Memoriam

"A coisa sobre o tempo é que ele não cura

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"A coisa sobre o tempo é que ele não cura. Ele só te dá espaço."

***

O tempo tem essa habilidade de tornar as coisas mais fáceis, ou pelo menos é isso que dizem. Mas, para mim, ele nunca conseguiu apagar a imagem de Ayrton da minha mente. Os anos passaram, as estações mudaram, e eu, agora enfermeira, me vi tentando seguir minha vida, mas nunca conseguindo deixar o passado para trás. O destino, com toda sua ironia, parecia ter me dado uma vida tranquila e ocupada, mas meu coração ainda batia por ele, ainda corria na mesma pista que o dele, mesmo que de longe.

Eu vi sua ascensão na Fórmula 1, do conforto do meu sofá, acompanhando cada corrida, cada vitória, como se o meu apoio ainda fosse parte do que o impulsionava. Ele se tornou uma lenda. Os outros viam apenas o piloto, o vencedor, o homem que conquistou o mundo. Eu via o Ayrton que eu conhecia, o homem que sonhava grande e que tinha o coração aberto para quem o amava. A cada corrida, eu torcia por ele. Não apenas porque ele era um dos maiores pilotos da história, mas porque ele ainda carregava comigo uma parte da nossa história.

A cada vitória, eu sentia uma mistura de orgulho e dor. O orgulho de vê-lo conquistar o que sempre quis, de ser testemunha do seu sucesso, mas a dor de saber que ele fazia isso sem mim ao seu lado. Eu estava longe do seu mundo agora, vendo-o brilhar de um lugar onde não cabia a minha presença. Ele tinha Xuxa, o público, as câmeras, o mundo inteiro a seus pés. E eu? Eu tinha os meus turnos no hospital, os meus pacientes, a minha rotina que, mesmo sendo gratificante, não me dava a mesma emoção que sentir os olhos dele sobre mim, como se ele me enxergasse, como se fôssemos um.

Às vezes, me peguei assistindo às corridas na televisão, com os olhos fixos na tela, observando-o ser aplaudido por multidões, e um pensamento me atravessava, cortando meu coração: Ele é de outro mundo agora. Um mundo que não tem mais espaço para mim. Mas então, eu me lembrava de nós dois, de como ele me olhava, como ele compartilhava seus sonhos. Eu sabia que, no fundo, ele não era diferente. Ele ainda era aquele homem com o olhar sonhador, aquele que me amava, ou pelo menos me amou, naquele momento que já parecia tão distante.

O tempo não apenas passava para ele, mas também para mim. No hospital, as pessoas precisavam de mim, eu estava ocupada com as emergências, com as situações de vida e morte, mas em casa, quando a noite caía e o silêncio tomava conta de tudo, era como se uma parte de mim ainda estivesse ali, com ele, torcendo por cada curva, por cada volta, por cada vitória. Mesmo sabendo que a distância entre nós era irremediável, que ele já estava em um nível tão alto que não havia mais nada que eu pudesse fazer para voltar.

Eu o via nas revistas, ouvia seu nome nas notícias, e em cada nova conquista, em cada relacionamento que ele tinha, como o com Xuxa, a sensação de que nossa história estava se tornando apenas uma lembrança distante aumentava. Eles eram a imagem perfeita. Ele com ela, ela com ele. Não havia espaço para mim ali, não havia mais nem um vestígio de nossa história.

Mas, por mais que eu tentasse seguir em frente, por mais que minha vida tivesse ganhado outras formas, uma parte de mim ainda estava presa àquele passado. Era como uma sombra que eu não conseguia afastar, um amor que eu não conseguia esquecer, não importava o quanto o tempo passasse.

E então, um dia, algo aconteceu. Eu estava em casa, sozinha, depois de mais um longo dia de trabalho, quando decidi assistir a uma entrevista com Ayrton. Era uma daquelas entrevistas que ele costumava dar para a televisão, e ele estava mais maduro, mais distante, mas a intensidade nos olhos dele ainda era a mesma. A entrevista foi longa, cheia de perguntas sobre sua carreira, sobre a Fórmula 1, sobre o que ele sentia diante de tantas conquistas. Mas foi quando ele falou algo que me paralisou. Algo que ele mencionou, algo que, naquela época, eu havia dito a ele, e que ele nunca esqueceu.

— Eu sempre me lembrei do que ela me disse, daquela noite em que decidimos seguir caminhos diferentes — ele disse, com um sorriso discreto no rosto, mas os olhos carregados de emoção. — Ela me disse que eu nunca deveria deixar de acreditar nos meus sonhos, que eu tinha o poder de conquistar o impossível. Eu nunca esqueci disso.

Naquele instante, o mundo pareceu parar ao meu redor. Eu sabia o que ele estava dizendo. Era uma conversa antiga, algo que eu disse a ele, quando ainda estávamos juntos, quando ele estava começando a acreditar em si mesmo, quando ainda achava que não seria suficiente para o que ele queria alcançar. Era uma das últimas coisas que eu falei antes de tudo se desmoronar, antes da separação. Eu nunca imaginaria que, anos depois, ele ainda carregasse aquilo em sua mente.

Naquele momento, o peso da distância, o tempo, a separação, tudo isso se desfez, como se nada tivesse mudado. Eu senti uma mistura de felicidade e tristeza, porque embora eu soubesse que ele estava falando sobre o passado, eu também sabia que aquilo significava algo. Ele não me esqueceu. E, de alguma forma, eu nunca deixei de estar com ele, mesmo que ele não soubesse disso.

Eu desliguei a televisão e fiquei sentada no sofá, com as mãos tremendo. O que isso significava? Ele ainda pensava em mim? Eu queria acreditar que sim, mas ao mesmo tempo, sabia que não era simples. A vida dele agora estava em outro lugar, em outro mundo, e o meu lugar parecia distante, pequeno demais.

Mas algo dentro de mim reacendeu naquele momento. A esperança, a chama que eu acreditava ter se apagado, voltou a brilhar. Talvez, depois de tudo o que passou, o que nós dois passamos, ainda houvesse uma chance para nós. Talvez o tempo tivesse sido mais gentil do que eu imaginava. E, se eu tivesse coragem, talvez fosse possível voltar a acreditar naquilo que nunca deixei de sentir.

Eu fechei os olhos, tentando processar tudo o que estava sentindo. Uma parte de mim ainda dizia que o futuro de Ayrton estava traçado, que ele jamais olharia para trás. Mas o outro lado de mim, aquele que o amou de maneira pura e incondicional, sabia que havia algo mais ali, algo que não podia ser ignorado.

Eu só não sabia o que fazer com essa esperança. Mas, por um momento, ela era o suficiente. E talvez, apenas talvez, fosse isso o que precisávamos para recomeçar.

***

Continua...

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