80 - O Início dos Sonhos (AYRTON SENNA)

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In Memoriam

"Um dia você vai deixar este mundo para trás, então viva uma vida que você vai se lembrar

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"Um dia você vai deixar este mundo para trás, então viva uma vida que você vai se lembrar."

***

Eu me lembro como se fosse ontem, o momento exato em que o conheci. Não foi em uma pista de corrida, nem em um grande evento. Não, o destino parecia ter traçado nosso encontro de maneira tão simples e, ao mesmo tempo, tão marcante. Era um sábado ensolarado, e eu estava em um café em São Paulo, distraída com um livro, quando ele entrou. O som do sininho da porta e o cheiro de café fresco mal disfarçaram a sensação que eu tive ao vê-lo. Não foi só porque ele era bonito, nem pelo seu jeito tranquilo e confiante. Algo sobre ele, algo nos olhos dele, me fez pensar: "Esse cara vai ser grande."

Ayrton Senna ainda estava nos primeiros passos de sua carreira no automobilismo, correndo nas categorias menores, tentando a sorte e o talento que o levariam para lugares que eu nunca imaginaria. Ele me olhou por um momento, como se tivesse visto algo além de mim, e em um impulso, ele se aproximou. Era como se eu já o conhecesse de outra vida.

— Posso me sentar? — perguntou, com um sorriso tímido, mas seguro. Eu assenti, com um leve sorriso de volta, tentando disfarçar a mistura de nervosismo e excitação. Não sabia, naquele momento, que ele seria o começo de tudo. Que a partir dali, minha vida tomaria rumos que eu jamais imaginaria.

Os primeiros meses ao lado de Ayrton foram intensos, cheios de emoção e esperança. Ele era dedicado, apaixonado, e seus olhos brilhavam sempre que falava sobre a Fórmula 1. Ele me contava seus planos, seus sonhos de chegar até lá, e eu, de uma forma inocente, acreditava que tudo era possível. Eu o apoiava em cada passo, em cada corrida, assistindo de perto à evolução dele, enquanto o amor entre nós crescia de maneira avassaladora.

Mas, como em toda história, os desafios começaram a surgir. A distância era o maior deles. Ele passava mais tempo viajando do que ao meu lado, correndo em circuitos pelo Brasil e, eventualmente, em outros países. Às vezes, a saudade se tornava uma companheira constante, e eu me perguntava por que era tão difícil equilibrar tudo.

A pressão em torno de Ayrton também começou a pesar sobre nós. Ele estava sempre focado no objetivo, sempre atento aos detalhes, sempre buscando melhorar, mas isso significava que, muitas vezes, ele se afastava emocionalmente, como se o mundo ao redor dele fosse uma pista e eu fosse apenas mais um obstáculo a ser ignorado. Quando ele falava de suas ambições, da necessidade de mostrar o seu valor, eu entendia, mas ao mesmo tempo, me sentia pequena, como se estivesse me perdendo no meio de um sonho que não era o meu.

E então havia a família dele. Eu sabia que eles eram uma parte importante da vida dele, e eu os respeitava, mas havia algo no jeito como eles me olhavam. Algo sutil, mas doloroso, que me dizia que eu não era boa o suficiente. Que eu não pertencia a esse mundo que ele estava construindo. Eles me viam como uma distração, uma fraqueza, e isso me corroía de dentro para fora. Às vezes, me peguei questionando se o amor que ele dizia sentir por mim seria forte o suficiente para enfrentar tudo.

Eu tentava me convencer de que estava bem, de que o amor de Ayrton seria capaz de superar qualquer obstáculo. Mas, à medida que os meses passavam, as inseguranças começaram a se instalar em minha mente. Eu me via ali, em uma relação que, no começo, parecia promissora, mas que agora estava sendo minada pela distância, pela pressão externa e pelos olhares julgadores da família dele.

As coisas começaram a desmoronar em uma noite, quando ele chegou de uma viagem especialmente difícil. Ele estava cansado, visivelmente exausto, e a tensão entre nós era palpável. Eu tinha perguntas, inseguranças, dúvidas que não conseguia mais guardar. E, de alguma forma, ele também parecia estar cansado de lutar contra elas.

— Sn, nós precisamos conversar — ele disse, com o tom grave de quem sabia que algo estava errado.

Eu me sentei à frente dele, sentindo meu coração bater forte. O que ele queria dizer? A sensação de que estávamos em um caminho sem volta era evidente. Eu queria acreditar que o amor bastava, mas no fundo sabia que, talvez, ele estivesse começando a questionar a mesma coisa.

— Você não acha que estamos nos afastando? — perguntei, a voz tremendo. — Eu vejo o quanto você está imerso no seu sonho, mas e eu? E nós? Eu não consigo mais lidar com essa distância, com o julgamento da sua família, com a sensação de que não sou boa o suficiente para estar ao seu lado.

Ele não respondeu de imediato. Apenas ficou em silêncio, olhando para as mãos. Quando finalmente falou, sua voz estava carregada de um pesar que me cortou profundamente.

— Eu te amo, Sn. Você sabe disso. Mas eu... Eu tenho tanto a conquistar. Tanta coisa pela frente. A Fórmula 1, a minha carreira. Eu não posso te prometer que vou ser o que você precisa. Eu não posso te prometer que vou estar sempre ao seu lado, porque o meu mundo é imprevisível. Eu sou imprevisível.

As palavras dele foram um golpe direto no meu peito. Eu sabia o quanto ele amava o automobilismo, o quanto ele queria estar na Fórmula 1, mas naquele momento, eu só queria que ele me amasse mais do que tudo isso. Mas ele não podia. Ou talvez ele não soubesse como.

Eu olhei para ele, sentindo minhas lágrimas prestes a cair, e me dei conta de que havia chegado o momento de tomar uma decisão. O que estávamos fazendo não estava mais funcionando. O amor não seria suficiente para resolver tudo isso. O amor não poderia superar as diferenças, as distâncias, as expectativas. Não quando éramos duas pessoas tão diferentes, com sonhos tão distantes.

— Eu acho que precisamos de um tempo — eu disse, minha voz quase inaudível.

Ele me olhou por um longo momento, sem saber o que dizer. Não havia mais palavras. Ele sabia o que eu estava sentindo, e eu sabia o que ele estava sentindo. A decisão estava tomada.

— Talvez o amor não seja o suficiente — ele respondeu, com uma tristeza que refletia a minha própria dor.

Eu me levantei, sem saber o que fazer, sem saber como lidar com a dor da separação que estava prestes a acontecer. Nós dois sabíamos que nosso amor tinha sido bonito, mas que, no fim, não tinha força suficiente para vencer os desafios da vida e os nossos próprios medos.

E foi assim que, naquele momento, decidimos seguir caminhos diferentes. Eu deixei a sala, e ele ficou para trás, em silêncio, com os sonhos dele e com a dor de uma história que parecia ter acabado.

Eu nunca poderia imaginar o que o futuro reservava para ele, nem para mim. Ayrton Senna alcançou a Fórmula 1, tornou-se uma lenda, e o mundo inteiro conheceu seu nome. Mas, para mim, ele sempre seria aquele homem tranquilo que compartilhava seus sonhos, que acreditava que tudo era possível. E eu? Eu segui meu próprio caminho, com a memória do nosso amor e a certeza de que, mesmo que os sonhos dele tivessem se realizado, os meus também estavam apenas começando.

O futuro seria incerto, mas eu sabia que a vida, assim como a corrida, sempre continuaria.

***

Continua...

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