O rosto de Serena carregava os sinais de noites sem descanso, olhos marcados pelo choro incessante e pela dor que parecia pesar em seu peito. A culpa a consumia como uma chama inextinguível. Ela sabia que levar Angelina para longe da Itália era arriscado, mas sua única intenção era cuidar da amiga, oferecer um momento de respiro. No entanto, tudo desabou.
O momento em que viu a Bianchi envolta em chamas foi como se uma parte de si queimasse junto. A boate não era apenas um negócio; era o símbolo de sua força, de sua resistência em um mundo dominado por homens. Naquele lugar, as regras eram ditadas por ela. As mulheres que trabalhavam lá faziam isso por escolha, eram respeitadas, protegidas, e Serena se orgulhava de cada detalhe que construíra. Era sua vida, seu legado, e agora tudo havia acabado.
A Itália, o país que tanto amava, já não a acolhia mais. Serena sabia que precisava partir, deixar para trás os amigos que eram como família, o lar que moldara sua identidade. Lorenzo havia sido misericordioso ao destruir apenas a Bianchi. Ela entendia que, dentro das rígidas regras da Cosa Nostra, punições mais severas poderiam ter recaído sobre ela. Mesmo com o código de honra que protegia mulheres e crianças, havia formas de ferir sem tocar fisicamente. Lorenzo escolheu um caminho mais brando, mas não sem consequências.
Ainda que magoada, Serena compreendia a decisão dele. O Don não era um homem de ações impulsivas; cada movimento era calculado, cada punição, medida. Mesmo assim, a mágoa persistia, entrelaçada com a consciência de que ele poderia ter feito muito pior. Ela sentia o peso de sua queda, mas, ao mesmo tempo, reconhecia que sobreviver fora um ato de clemência. Agora, restava-lhe decidir como reconstruir sua vida. O vazio deixado pela Bianchi e pela amizade que parecia desmoronar exigia uma força que ela não tinha certeza se ainda possuía. Contudo, Serena era uma sobrevivente, e, mesmo com o coração partido, sabia que precisaria encontrar um novo caminho.
Angelina foi finalmente encontrada. Embora nada pudesse apagar as cicatrizes, físicas e emocionais, que carregaria após semanas de cárcere privado e tortura, Serena sentiu um alívio ínfimo, mas real, ao vê-la viva. O maior dos seus temores não se concretizou, e, por mais que o sofrimento da amiga fosse insuportável de presenciar, ela sabia que o desfecho poderia ter sido muito pior.
Serena, no entanto, continuava consumida por um turbilhão de emoções. A vergonha por suas escolhas, o medo de não ser perdoada, a mágoa por tudo que havia perdido e, acima de tudo, a culpa que a esmagava eram constantes. Ela se torturava com pensamentos de como tudo poderia ter sido diferente. Daria qualquer coisa para trocar de lugar com Angelina, para poupar a amiga de tamanha crueldade. Agora, tudo o que restava a Serena era ficar ao lado dela, silenciosa, enquanto Angelina repousava no leito do hospital. A cada vez que olhava para a amiga desacordada, Serena sentia um pedaço de si se partir. Ela queria dizer algo, mas as palavras pareciam insignificantes diante da dor que ambas compartilhavam. Tudo o que podia fazer era estar ali, presente, torcendo para que, com o tempo, as feridas se fechassem e a amizade que compartilhavam resistisse, apesar de tudo.
Quando os olhos de Angelina se abriram, Serena sentiu um alívio imediato. Um sorriso suave apareceu em seus lábios enquanto ela se aproximava, colocando sua mão sobre a de Angelina, que ainda estava fria e frágil.
Angelina tentou suavizar a culpa da amiga, balançando a cabeça e dizendo que não era culpa dela, mas Serena sabia que, de alguma forma, estava profundamente conectada com o que havia acontecido. A mágoa de Angelina ainda era visível, especialmente em relação a Lorenzo. Porém, Serena também sabia o quanto ele havia lutado para encontrá-la, tudo o que estava disposto a fazer para resgatá-la. Ela ainda não conseguia afastar completamente seu lugar ao lado do melhor amigo, apesar de tudo.
Quando o médico entrou, o ambiente se carregou de uma tensão silenciosa. Serena ficou atenta, absorvendo as palavras do profissional. E o choque com a notícia foi instantâneo. Serena sentiu os olhos se arregalarem, tanto quanto os de Angelina. O pensamento que imediatamente cruzou sua mente foi o de Lorenzo, e como ele ficaria ao saber que seria pai. A ideia a surpreendeu tanto quanto a amiga, mas o impacto foi maior quando Angelina pediu que não contassem nada a ele.
Ela sabia o que Lorenzo faria ao receber a notícia, e ao mesmo tempo entendia a resistência de Angelina, talvez alimentada pela dor do que passara. A loira porém, manteve sua postura firme, e Serena soube que não poderia mudar sua decisão. A mágoa que a amiga sentia por Lorenzo não poderia ser simplesmente apagada por boas intenções. Serena suspirou, aceitando que, mesmo com o coração leve por saber que Angelina seria mãe, essa era uma escolha dela, e a respeitaria.
─ Você vai ser uma mãe maravilhosa, sabe disso, né?
Serena sorriu para a amiga com doçura, sua voz cheia de carinho.
─ Você é tão forte, vai superar tudo isso e construir um futuro lindo para esse bebê.
As palavras de Serena pareciam encontrar eco no coração de Angelina, mas as lágrimas da morena eram inevitáveis. A tristeza era profunda, como se uma parte dela estivesse morrendo ali mesmo. Ela sabia que, em breve, teria que se despedir de tudo o que conhecia e amava. Não poderia mais ficar na Itália, não poderia mais estar ao lado da Cosa Nostra ou de quem amava. Não poderia mais desafiar Lorenzo.
─ Você precisa voltar para a Itália. Vai estar segura lá, junto com seu bebê. ─ disse com firmeza, olhando diretamente nos olhos de Angelina.
Angel hesitou, e Serena percebeu o peso de sua dúvida. Sabia que a amiga ainda lutava com a decisão. Então, suspirando profundamente, e continuou:
─ Angel, precisa pensar nesse bebê agora. Bartor não é mais um problema, mas não quer dizer que a Cosa Nostra não tenha outros inimigos. Bartor anunciou aos quatro ventos que você é a fraqueza de Lorenzo. Na Itália ninguém vai te machucar, nem ao seu bebê...
As palavras de Serena eram claras e reais, e, embora Angelina parecesse lutar com sua decisão, a verdade era inegável. Ela precisava de segurança, e a Itália, com todas as suas complexidades, ainda era o único lugar onde ela poderia encontrar isso. Serena não queria que a amiga fugisse de seu futuro, mas a encorajava a encarar sua nova realidade, com o coração esperançoso pela vida que estava por vir.
Angelina olhou para Serena, sentindo uma mistura de gratidão e tristeza. A dor ainda estava fresca, mas as palavras da amiga, gentis e cheias de carinho, a tocavam profundamente. Serena, com sua força e compaixão, sempre soubera como acalmar seu coração turbulento, e naquele momento não era diferente.
─ E por mais que você não queira ver o Lorenzo, ele não vai mesmo deixar você ficar longe dos olhos dele agora. Só... pensa nessa nova vida que tá crescendo aí.
Bianchi continuou, com a voz suave, mas cheia de uma verdade irrefutável. Ela colocou a mão delicadamente sobre a barriga de Angelina, oferecendo um conforto silencioso. A ideia de que uma nova vida estava ali, crescendo, era ao mesmo tempo uma bênção e um peso. Mas Serena sabia que, com o tempo, ela encontraria a força necessária para abraçar essa nova realidade.
Angel sorriu fraca, mas o gesto não passou despercebido por Serena. Era uma pequena faísca de esperança no meio da dor.
─ Eu vou para a França. Visitar meus avós, mas logo estarei de volta e você me terá por perto se quiser... ─ Serena disse, com um sorriso tranquilo, ainda com a mão repousada sobre a barriga de Angelina.
A mentira não foi dita com malícia, mas como uma maneira de dar a amiga um pouco de espaço para respirar. Serena realmente planejava visitar os avós na França, mas sua intenção era, na verdade, permanecer lá. O que ela não queria era sobrecarregar a amiga nesse momento delicado, embora sua decisão fosse seguir ali, em silêncio, aguardando o momento certo para ficar. Angelina parecia absorver as palavras, suas emoções um turbilhão, mas Serena sabia que a amiga precisava do tempo para processar tudo. O futuro de ambas estava incerto, mas pelo menos agora sabiam que tinham uma à outra para apoio.
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𝗙𝗜𝗥𝗘 𝗔𝗡𝗗 𝗕𝗟𝗢𝗢𝗗 - @𝗅𝟢𝗌𝗍𝗋𝖾𝗂𝖽
Romance✦ 𝑆𝐼𝑁𝑂𝑃𝑆𝐸 Lorenzo Mattioli, o calculista e implacável líder da Cosa Nostra, carrega nos ombros o peso de um império herdado, erguido sobre o sacrifício do pai, consumido por uma longa e amarga doença. À frente da máfia mais temida da Itália...