Por mais que desejasse com todas as fibras do seu ser, por mais que lutasse contra o tumulto de emoções que a dominava, Angelina não conseguiu ignorar a presença de Lorenzo assim que o homem cruzou a porta. Ele avançava devagar, como quem pisa em terreno minado. Seus olhos vagaram pelo traje impecável do homem, cuja sofisticação não era capaz de disfarçar a ruína que ele carregava. O rosto de Mattioli estava rubro, os olhos marejados, denunciando o esforço hercúleo para conter as lágrimas. Parecia ancorar-se no chão, agarrar-se ao buquê que trazia em suas mãos, ou talvez no insuportável peso do próprio arrependimento.
A voz do homem rompeu o silêncio do quarto, e Angelina temeu que a máquina que marcava seus batimentos cardíacos denunciasse seu coração. Instintivamente, ela prendeu a respiração, como se o gesto pudesse apagá-lo da existência, ou dissolvê-la na sombra da própria vulnerabilidade. Talvez, com sorte, fosse o suficiente para fazê-la desmaiar e escapar daquela tensão sufocante. Mas o ar escapou em um suspiro involuntário, e ela percebeu que nada, absolutamente nada, poderia prepará-la para as palavras de Lorenzo. Explicações que ele trazia como uma redenção, mas que ela preferia nunca ter que ouvir. Os olhos de Angelina, fatigados e vazios, arregalaram-se por um breve instante ao ouvir a confissão do Don. Lorenzo teria realmente a confundido com Donnatela? Era possível que tamanha traição viesse disfarçada de um engano tão cruel?
Um leve movimento de cabeça, um quase imperceptível "não", foi tudo o que ofereceu em resposta. Nenhuma palavra escapou de seus lábios enquanto Lorenzo se desdobrava em argumentos, tentando, desesperado, convencê-la de que não fora sua intenção, de que jamais quisera feri-la. Mas, mesmo com o arrependimento estampado em cada linha de seu rosto, algo dentro dela rugia para que permanecesse firme. Que, ao menos uma vez, ela desse ouvidos à própria dor, e não à de outros. Que resistisse. Que não cedesse.
Sentiu um alívio ao ouvir que ficaria com Enrico. Era uma pequena trégua, um instante de paz que ela não precisaria disputar. Ver Enri e Giorgia era uma das poucas coisas que ainda aqueciam seu coração, um desejo simples que carregava como refúgio. Sentia a falta deles como se fosse uma parte perdida de si mesma. Aceitaria qualquer imposição sem reclamar, desde que isso a poupasse de encarar Donnatela e Lorenzo. Não queria cruzar com os dois pelos corredores, com o peso insuportável de fingir que sua vida não estava se desfazendo a cada instante. Não queria carregar o fardo de aparentar ter força enquanto tudo dentro dela pendia, frágil, por um fio invisível. Enquanto era forçada a aceitar que o bebê de outra mulher herdaria os olhos do homem que ela amava. Os mesmos olhos que, em segredo, ela sabia que também brilhariam no que carregava dentro de si.
As últimas palavras do Don cortaram Angelina como lâminas afiadas, perfurando sua mente com uma dor latejante e fazendo seu estômago revirar, como se algo estivesse prestes a ceder dentro dela. Seu peito subia e descia em agonia, enquanto a ansiedade lhe apertava a garganta, sufocando-a lentamente.
"Eu te amo, e duvido que algum dia vou deixar de te amar..."
Não era a cadeira desconfortável que fazia seu corpo doer, nem a lâmina fria do canivete que havia marcado seu queixo, tampouco as cordas ásperas que a haviam mantido cativa por semanas. Era a ausência de Lorenzo que a devastava. Era o peso insuportável da derrota. Ela o perdeu, assim como já havia perdido tudo que uma vez amou. E Donnatela, mais uma vez, saíra vitoriosa, como sempre saía.
— Eu estou destruída, Lorenzo... — a voz de Angelina rompeu o silêncio, um sussurro que parecia pesar mais do que o ar ao redor. — Não estou falando da tortura de Bartor, dos roxos no meu corpo ou dos cortes na minha pele. No momento em que saí correndo daquele salão, eu já estava destruída...
As palavras custavam a sair, como se carregassem consigo todo o peso de sua dor. Cada sílaba parecia rasgar sua garganta, deixando um gosto amargo, metálico, o gosto de sangue que transbordava de sua decepção.
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𝗙𝗜𝗥𝗘 𝗔𝗡𝗗 𝗕𝗟𝗢𝗢𝗗 - @𝗅𝟢𝗌𝗍𝗋𝖾𝗂𝖽
Romance✦ 𝑆𝐼𝑁𝑂𝑃𝑆𝐸 Lorenzo Mattioli, o calculista e implacável líder da Cosa Nostra, carrega nos ombros o peso de um império herdado, erguido sobre o sacrifício do pai, consumido por uma longa e amarga doença. À frente da máfia mais temida da Itália...