𝟖𝟒 ⌁ 𓈒 ֹ ANGELINA CORVETTI ˳ׄ ⬞

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Não era o timbre grave ou a força na voz de Lorenzo que desestabilizava Angelina, tampouco sua presença imponente ou o peso do poder que carregava. Era, na verdade, a proximidade. Quando suas respirações se enredavam em uma dança inquieta, ela sentia os joelhos vacilarem e o coração, desobediente, assumir um ritmo incerto, como se uma melodia oculta ecoasse entre os dois. Mas havia algo em Lorenzo que a consumia em outro sentido — sua recusa obstinada em admitir falhas, sua crença inabalável de que mesmo o homem mais poderoso está além do erro. Isso a exasperava. O rubor em seu rosto mesclava-se aos vestígios de hematomas que ainda marcavam sua pele, criando uma tela de emoções conflitantes. Ela cravava os olhos nos dele, como quem busca um caminho em um labirinto perigoso, apenas para perceber que era nos próprios olhos de Lorenzo que se perdia.

Apoiou-se na mesa atrás de si, sentindo o corpo dele cerrar a distância, forçando-a contra a superfície. Era como se ele quisesse fixá-la ali, como se temesse que ela escorregasse de seus dedos outra vez. Talvez esse fosse seu maior medo: vê-la escapar novamente. Angelina podia discernir a frustração brilhando no olhar de Lorenzo, mas havia algo mais ali, algo quase imperceptível — um brilho que só nascia em sua presença. Ela engoliu seco, incapaz de mover um músculo para se libertar daquela pressão. Seu corpo, traidor, se rendia, vulnerável, como se a razão fosse um eco distante e inútil. A pergunta que ela ousara fazer pairava no ar como uma lâmina suspensa. Sabia que era arriscada, que testava os limites do Don, mas as rédeas de suas ações haviam escapado de suas mãos. Palavras e gestos surgiam sem filtro, num jogo perigoso de descuido. Talvez fosse o peso de não ter mais nada a perder que a possuía agora — um pensamento tão libertador quanto devastador. E Angelina, na beira do abismo, parecia não temer a queda.

Foi quando os lábios de Lorenzo se colaram aos dela que o mundo, num instante fugaz, se calou. A fúria que antes moldava a expressão da mulher se dissolveu como cera ao fogo, e os olhos dela, carregados de indignação, cerraram-se num reflexo involuntário. Sua língua encontrou novamente o gosto dele, familiar e inconfundível, mas desta vez havia algo diferente. Aquele beijo carregava o peso de uma saudade quase sólida, amarga, que não vinha só dela, mas transbordava dos dois.

As mãos de Angelina, movidas por um instinto que desafiava sua razão, agarraram o tecido do terno de Lorenzo com força. O orgulho sussurrava que ela deveria recuar, escapar daquela armadilha, mas o desejo — maior e mais voraz que qualquer outra coisa — a mantinha prisioneira. Era como se sua vontade tivesse sido roubada, deixando-a entregue, vulnerável, ao momento que se desenrolava fora de seu controle.

Foi então que a consciência voltou como um golpe frio. Notando o que fazia, Angelina empurrou o peito de Lorenzo, afastando seus corpos com um movimento brusco. E antes que a razão pudesse conter o ímpeto, sua mão cruzou o espaço entre eles, desferindo um tapa no rosto do homem, que estalou no silêncio do escritório. O som seco reverberou como uma sentença. Os olhos dela se arregalaram, refletindo o espanto que também tomou o rosto de Lorenzo, surpreso e incrédulo diante do gesto. Angelina avançou alguns passos, franzindo o cenho, como se tentasse proteger a pouca distância que conseguira criar entre eles. O silêncio que se seguiu era quase insuportável, mais pesado que qualquer grito. O eco do tapa pairava no ar, um lembrete incômodo e cortante do momento que acabara de acontecer. Naquele instante, palavras eram insuficientes — e talvez até desnecessárias.

A jaqueta que Angelina trajava parecia incendiar sua pele, reflexo do calor voraz que Lorenzo despertava em seu interior. Num gesto automático, ela se livrou do tecido, atirando-o na poltrona mais próxima, como se isso pudesse extinguir as chamas que ardiam dentro dela. Lorenzo, por sua vez, permanecia parado, ainda carregando no rosto a incredulidade do tapa que recebera momentos antes, seus olhos fixos nela, como se tentasse decifrar um enigma.

𝗙𝗜𝗥𝗘 𝗔𝗡𝗗 𝗕𝗟𝗢𝗢𝗗 - @𝗅𝟢𝗌𝗍𝗋𝖾𝗂𝖽Onde histórias criam vida. Descubra agora