𝟖𝟔 ⌁ 𓈒 ֹ THEODORO CORVETTI ˳ׄ ⬞

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O escritório de Theodoro Corvetti era um reflexo da imponência que o Don da Outfit fazia questão de exibir. Paredes revestidas de mogno escuro, mobília pesada e detalhes dourados que brilhavam sob a luz suave de um lustre de cristal. Corvetti estava sentado atrás de sua mesa monumental, um trono de madeira escura e polida que parecia suportar o peso de sua autoridade. Os dedos batucavam ritmados contra a superfície lustrosa, um som quase imperceptível que, no entanto, reverberava como um tambor em sua própria mente. Ele nunca fora conhecido por sua paciência, e Lorenzo Mattioli parecia empenhado em testá-la.

A notícia da gravidez de Donnatela chegara a ele semanas atrás, como um trovão após um raio. Não fora preciso muito tempo para que Theodoro tentasse acertar as contas com os Mattioli, mas seus esforços resultaram em frustrações. Vincenzo, o conselheiro da Cosa Nostra, era habilidoso em arrumar desculpas, justificando a ausência de Lorenzo com palavras bem medidas. E então, como um último golpe, Theodoro soube do sequestro de Angelina – apenas depois que a garota já havia sido resgatada. Esses desencontros, porém, eram apenas o pano de fundo para sua insatisfação crescente. O problema real, o que fazia sua mandíbula se contrair e seus pensamentos se encherem de ameaças veladas, era a aparente negligência de Lorenzo em relação à gravidez de Donnatela. O casamento que ele exigia como reparação parecia estar sendo tratado com um descaso imperdoável. Mais do que isso, Angelina e Enrico não se casariam mais, o que deixava o acordo entre a Outfit e a Cosa Nostra fragilizado, sustentado agora apenas por uma vida que ainda nem nascera.

Theodoro apoiou o indicador na têmpora, enquanto o polegar sustentava o queixo. Sua postura, à primeira vista relaxada, era apenas a máscara de um homem que sentia o sangue fervilhar sob a pele. Os olhos, afiados como lâminas, seguiam os ponteiros do relógio pendurado na parede, cada segundo escorrendo como areia entre os dedos. Quando as portas se abriram, o olhar do Don americano se ergueu lentamente, encontrando a figura que cruzava o limiar de seu domínio. Lorenzo entrou no escritório com a elegância de quem estava acostumado a navegar mares de tensão, mas Theodoro não era homem de se impressionar facilmente.

Um sorriso cínico curvou os lábios do mais velho, carregado de um desdém calculado. Ele ajeitou a postura com a tranquilidade de um predador que acaba de avistar sua presa, recostando-se na cadeira de couro como quem detém o controle absoluto da situação. Sua presença era uma muralha; o ambiente parecia encolher ao redor de Mattioli, enquanto os olhos do Don americano, sombrios e inquisitivos, o avaliavam como uma balança que decide o peso da vida e da morte.

— Finalmente, senhor Mattioli... — murmurou Theodoro, com a voz carregada de um sarcasmo quase palpável.

Ele repousou as mãos entrelaçadas no próprio colo, o gesto medido e meticulosamente calculado para transparecer uma falsa cordialidade. Seus olhos, porém, estavam fixos em Lorenzo com a intensidade de quem avalia uma aposta de alto risco. Com um leve aceno de cabeça, indicou a cadeira à sua frente, um convite que parecia mais uma ordem disfarçada. A tensão no ar era quase tangível, como se o escritório tivesse se tornado pequeno demais para abrigar dois homens tão poderosos, cujas vontades eram tão inconciliáveis quanto o ferro e o fogo.

— Está meio inacessível nos últimos tempos, não? Vamos cortar as cortesias. Sabemos por que está aqui.

Lorenzo recostou-se na cadeira, estudando o homem à sua frente. Ele não respondeu imediatamente, permitindo que o silêncio falasse por si. Então Theodoro continuou.

— Há uma dívida entre nós, uma promessa implícita que precisa ser honrada. Donnatela carrega seu sangue agora, e isso exige um casamento.

Os olhos de Lorenzo brilharam com um misto de desprezo e impaciência. Ele tamborilou os dedos na perna, mas sua voz saiu firme:

— Com todo respeito, Corvetti, não vejo como isso me diz respeito. Donnatela é... problemática, para dizer o mínimo. Além disso, não estou de acordo com essa sua "exigência".

A menção da recusa fez o maxilar de Theodoro enrijecer. Ele inclinou-se levemente para frente, os dedos entrelaçados descansando sobre a mesa como uma armadilha prestes a fechar.

— Não se trata de escolha, Lorenzo. Trata-se de responsabilidade. Mas se você insiste em desonrar a Outfit, então temos outro assunto urgente: Angelina. Ela voltará para Chicago.

O nome dela caiu no ar como uma faísca em um quarto cheio de pólvora. Lorenzo parou de tamborilar os dedos e encarou Theodoro com uma intensidade que fazia o ar pesar.

— Angelina não volta para Chicago. Ela não é mais parte de suas intrigas políticas — declarou Lorenzo, firme.

Theodoro soltou uma risada seca, quase zombeteira.

— Não é assim que funciona, garoto. Ela não se casará mais com Enrico, mas eu já tenho outro acordo em mente. Ryder Stewart, o Don da máfia australiana. Ele precisa de uma esposa, e Angelina é perfeita para consolidar a nossa parceria.

Lorenzo se levantou abruptamente, a cadeira arrastando no chão.

— Angelina não é mais uma moeda de troca para você, Theodoro.

A paciência do Corvetti finalmente se esgotou. Ele também se levantou, e os dois homens se encararam como dois predadores prestes a lutar pelo domínio.

— Você acha que pode desafiar a Outfit, Lorenzo? Não subestime o quanto estou disposto a ir para proteger o futuro do meu império. Angelina é minha peça, não sua. Afinal, quando vieram com o acordo com relação ao casamento entre ela e Enrico, vocês acharam uma boa jogada, não?

A maneira como Theodoro tratava Angelina, reduzindo-a a uma peça em seu tabuleiro, contrastava brutalmente com o pedestal onde colocava Donnatela, sua filha mais velha. Era uma disparidade gritante, que causava desconforto até mesmo nos mais endurecidos ao seu redor. Angelina nunca fora vista por ele como algo além de uma moeda de troca, um instrumento útil para alianças e acordos. Desde sempre, seu bem-estar era negligenciado, sua existência reduzida a um jogo de conveniência.

Quando a notícia de seu desaparecimento chegou, Theodoro não experimentou o pânico de um pai, mas a inquietação estratégica de um Don. Sua maior preocupação não era o destino da filha, mas o impacto que isso poderia ter em sua aliança com a Cosa Nostra. Para ele, Angelina não passava de uma peça de xadrez — dispensável se o sacrifício fosse necessário para garantir o xeque-mate.

𝗙𝗜𝗥𝗘 𝗔𝗡𝗗 𝗕𝗟𝗢𝗢𝗗 - @𝗅𝟢𝗌𝗍𝗋𝖾𝗂𝖽Onde histórias criam vida. Descubra agora