Capítulo 1

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Algumas semanas antes.

A expectativa. Aquele instante que antecede um fato, um evento. Esse lugar onde teremos tempo para nos decidirmos se avançamos ou recuamos. Jamais tive medo desse antes. Dificilmente esse tipo de temor me atinge. Mesmo assim, não conseguia compreender porque eu, Pilar Correia da Silva, já estava acordada, tão cedo.

Tolice...

Sim, sabia. Esperava. Queria que chegasse logo. Que finalmente eu acontecesse. Talvez, fosse esse o único ponto a me incomodar. Não o fato da espera, mas sim da demora. Estava pronta, faltava apenas o início.

A neblina esgueirava-se suavemente pelas calçadas floridas. Não era, porém, sufocante. Era sutil, misteriosa, movimentando-se como cortinas de um palco onde em breve aconteceria o primeiro ato de um espetáculo. Aos poucos, esse ar condensado tornava-se mais suave. Era o prenúncio do meu amanhecer.

Tomei mais um gole do meu café com leite e canela. De cabeça recostada, passei a escutar apenas o gemido da cadeira de balanço da minha falecida avó, onde eu estava sentada. A manta grossa cobria o meu corpo, protegendo-me do frio do agreste seco e de grande altitude.

Da varanda do primeiro andar da minha casa, podia ver boa parte do bairro, no subúrbio de Garanhuns, a cidade das flores, nos confins de Pernambuco. Meus olhos desceram para a rua. Todos dormiam. No interior, ainda mais no inverno, era assim mesmo.

Tremi por conta do frio da madrugada. Acabei por me encolher ainda mais dentro da manta. Resolvi soltar meus cabelos negros de raiz lisa. As pontinhas levemente onduladas caíram na altura pouco abaixo dos ombros de pele alva e acetinada, aquecendo-me um pouco mais.

Meus olhos de um verde pálido e plácido ergueram-se para o horizonte além do subúrbio. Foram para lá, no outro lado de Garanhuns, para as casas ricas dos donos de fazendas. Piso de madeira polida, vinho do porto, sistema de aquecedor.

Em seguida, desci minha vista para as moradias do meu bairro. Algumas mal tinham laje, apenas as telhas. Para esquecer aquela desigualdade que sempre me perseguiu, fechei os olhos e respirei fundo. Faltava pouco.

Naquele lento amanhecer, nunca me senti tão sozinha. E tão em paz. Um mundo inteiro a esperar por mim, aguardando o meu primeiro passo. Eu tomava fôlego. Preparava-me.

Observava as luzes dos postes apagarem-se. A neblina desaparecia. Os primeiros pássaros insinuavam-se para fora dos seus ninhos e eu ouvi o canto das aves. Era um chamado.

Parei de balançar-me. Paciente, ainda sorvi o último gole do café. Repousei a xícara na mesinha ao lado. Vi as minhas bagagens encostadas por perto. O meu canto da boca sorriu por mim. Já eu, estava atenta para algo maior.

Levantei-me e apoiei minhas duas mãos no parapeito da varanda. O sol também se ergueu, lançando seus primeiros raios em mim. Sorri em gratidão.

Aquele era o início. De olhos bem abertos, pude vislumbrar o meu futuro. Via-me naquela estrada. Sem nunca mais olhar para trás, iria caminhar. Tentar. Enganar. Matar. Fazer de tudo para que o Destino me ofertasse aquilo que sempre me fora negado.

Oportunidade.

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