Meus pés rápidos alcançaram os corredores. Levei mãos trêmulas aos meus olhos, espantando aquelas lágrimas inconvenientes que queriam descer pelo meu rosto.
Senti o primeiro soluço querendo libertar-se em meu peito. Segurei-o. Lutava com todas as forças para manter presa em mim aquelas fraquezas que só tive na infância.
Esbarrei em uma parede. Na verdade, não era uma parede. Era um homem alto e forte vestido de terno e gravata. Reconheci Maciel, o motorista de Fernão. O empregado do governador avisou-me que ele estava pronto para me levar à rodoviária.
Abri a boca para tentar falar algo, talvez negar a viagem, porém continuei muda. O que eu poderia fazer? Para onde eu iria?
Não poderia tentar sair sozinha, pois os urubus da imprensa iriam me atacar. Igualmente, não adiantaria tentar sair de táxi, pois também poderia ser vista. Talvez, minha única saída fosse aceitar aquela esmola de Fernão; uma passagem para o interior de Minas Gerais.
Sem pensar direito, acabei me deixando ser guiada por aquele motorista. Andamos até o estacionamento em silêncio. Ocupei o banco de trás, colocando a minha bolsa do lado.
O veículo começou a andar lentamente, saindo daquele hotel, afastando-me do que eu pensava ser o meu futuro.
Chegamos à avenida beira-mar, homônima ao nome de seu bairro, Boa Viagem. De um lado, aqueles apartamentos caros com vista para o Atlântico. Do outro, o calçadão, com a praia e diversos jovens curtindo aquela tarde de sol.
Pelo vidro do carro, os vi, leves, despreocupados. Por sempre terem uma vida confortável de classe média-alta, provavelmente nenhum deles entendia a dimensão daquele privilégio. Nenhum deles poderia saber o que era estar do lado de cá, do lado daqueles que só veem, porém nunca tocam.
Sem nenhuma fonte de renda, em breve eu não teria mais como me sustentar. Ainda, não poderia tentar me envolver mais com ninguém da elite daquela cidade. Como é um círculo muito fechado, Fernão e Cecília podiam manchar a minha imagem para qualquer um ao qual eu tentasse me aproximar. Não haveria mais jeito de eu vencer em Recife.
Absolutamente imersa em meus pensamentos, fui levada pela rodovia. Limitava-me apenas a olhar a paisagem, despedindo-me da cidade que sempre sonhei em morar.
O sol já estava terminando de se pôr quando eu cheguei à rodoviária. Percebi, então, que havia chegado a Recife quando o sol nascia, quando eu vim amanhecer. Ia embora em seu crepúsculo, o meu entardecer.
Desci na área de desembarque de passageiros. Ao menos, o motorista teve a gentileza de abrir o porta-malas para mim. Logo em seguida, ele deu a partida, deixando-me sozinha por ali.
Meus pés levaram-me para dentro do Terminal Integrado de Passageiros. Em minhas mãos, apenas duas passagens. Uma para Belo Horizonte e outra para o interior desse estado, em Mariana. Talvez, o meu último refúgio.
Caminhei pelo pátio da rodoviária, atravessando o amplo salão com as lanchonetes. Olhei para o estabelecimento onde eu havia perdido o meu dinheiro quando cheguei à cidade. Procurava o rapaz que havia me dado o seu bilhete de vale-transporte.
Não sei exatamente o que eu pensava naquele momento, porém talvez fosse reconfortante olhar para algum conhecido que não queria me ver derrotada. Infelizmente, ele não estava lá.
Senti as lágrimas inconvenientes insinuarem-se de novo em meus olhos. O aperto na garganta estava muito mais forte. Trinquei os dentes, respirando fundo, segurando aquilo dentro de mim. Quis sair dali, recolher-me para me recuperar.
A passos rápidos, entrei no banheiro feminino da rodoviária. Era o mesmo lugar que eu havia me escondido após ter sido roubada no dia da minha chegada à cidade.
Havia lutado tanto... depois de tanta batalha, encontrava-me na mesmíssima situação de quando havia chegado a Recife. Um vulto limitado de dinheiro no bolso. Uma quantia ilimitada de sonhos no peito. Para quê, enfim, servira-me tanta dedicação, tanto esforço? No fim, era sempre aquilo. Pobreza.
Olhei-me no espelho gasto daquele banheiro malcuidado. Estar novamente naquele lugar, porém, trouxe-me lembranças. Da última vez que quase chorei ali, veio à minha mente as palavras do meu pai. Meses depois, já naquela segunda vez, o questionamento daquele homem tornou-se mais claro do que nunca.
Fechei os meus olhos, e o eco da voz do meu pai reverberou em mim:
"Pra que servem as lágrimas, Pilar?"
Abri os meus olhos.
Não. Chorar, não.
"E sabe pra que serve cair?".
Inspirei profundamente, depois soltei o ar modo lento. Certa vontade em meu interior parecia voltar a crescer. Era minha vocação de sempre olhar adiante.
Sim, eu perdi. Por mais que eu não quisesse ser expulsa daquele lugar, Recife não me aceitaria mais; não a Recife que eu quero. Fernão, contudo, não poderia sair vitorioso. Eu fui derrotada, entretanto aquele ainda não seria o fim da minha história naquela cidade.
Saí do banheiro. A passos firmes e rápidos, rumei para a estação do metrô integrada à rodoviária. Não havia tempo para chorar. Nunca houve. Apesar da dor, apesar da tristeza, havia apenas uma atitude a tomar. Um passo atrás do outro.
Quis tanto. Quis tudo. Receios? Ah! Só anseios!
Necessidade.
Vingança.
Desejo.
Gula.
Toda uma trajetória para atender à vontade que me chamava desde meus primeiros instantes de vida. Sim, a única palavra que guiava toda a minha existência...
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Cobiça
Mystery / ThrillerUma vilã como protagonista. Jovem, bonita e de origem humilde, Pilar é a típica garota do interior que almeja tentar a vida na capital. Debaixo dessa máscara de moça sonhadora, porém, esconde-se uma psicopata totalmente desprovida de moral ou culpa...