Capítulo 19

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Uma gargalhada. A calmaria daquele anoitecer entre árvores e arbustos foi interrompida por uma gargalhada cheia de ódio e deboche. Numa reação quase histérica, Henrique ria bem alto da minha proposta.

O rapaz arquejou um pouco, colocando a mão nos joelhos. Aos poucos, parava de rir e começava a acalmar a sua respiração. Quando conseguiu se recompor, o loiro me respondeu, quase com nojo:

– Você é uma piranha muito doida...

Balancei a cabeça, dando um leve risinho, e lhe retruquei:

– Não, eu sou sensata. Acho que não estou pedindo nada demais. Eu não estou pedindo pra você andar sobre o mar num porco voador alisando o céu. Quero que você me apresente pra tua família como sua namorada. Que me leve para almoçar nos domingos, feriados, festas. Namorar no sofá da sala, na frente dos pais, tudo muito tradicional e comprometido, como o povo da tua casa deve gostar.

Ele colocou uma mão na boca, tornando a rir. Conseguindo controlar-se, Henrique disse:

– Nunca. Se quiser, dou um celular, um carro, mas você não vai ser a minha namorada. Nunca vou gostar de uma quenga maluca como você.

– Não é preciso me amar – respondi, dando de ombros. – Quero só fazer parte de sua família.

– Quer casar comigo? – perguntou-me, voltando a rir.

– E você, quer que papai te veja escondendo a cobra com essa bundinha gulosa?

O riso desapareceu. Primeiro, vi a sua face tomada de incredulidade. Depois, a raiva começou a retornar, enquanto ele me ameaçava:

– Se você fizer isso, eu vou destruir você. Vou te encher de bala.

– É, se a gente não chegar a um acordo, eu vou perder a vida. E você, perde o quê? Os inimigos políticos do seu pai, tua família, teus amigos, todo mundo vai ver você gemendo debaixo daquele garoto de programa.

Ele ergueu a mão novamente. Não me movi. Vendo-me firme, Henrique ficou com seu braço parado no alto. Lentamente, o rapaz perdeu as forças e desceu seu pulso. Desistiu de me bater.

Sem nada falar, virou-me as costas, andando para o carro. Mesmo sem ser chamada, eu o segui.

Entramos. Ele voltou a acelerar, cantando pneu e levantando a poeira da estrada. Seguimos a viagem de volta para Recife sem proferirmos nenhuma palavra. Sequer nos encarávamos.

Quando chegamos à frente do meu prédio, o filho do governador pisou com força no freio, e meu corpo foi jogado novamente contra o cinto de segurança.

Quase murmurando, Henrique me mandou descer. Levei a minha mão à maçaneta da porta e a abri. Antes de me levantar, olhei-o mais uma vez. Ele continuava com as duas mãos ao volante, olhando fixamente para frente. Calma, dei-lhe um ultimato:

– Vou esperar sua resposta por três dias. Até quinta-feira à noite.

– Desce! – vociferou o rapaz.

Coloquei meus pés para fora, retirando-me do veículo. Mal fechei a porta, e o automóvel arrancou com tudo de novo. Com a mesma fúria de antes, ele dobrou a esquina e desapareceu.

***

Uma hora depois, o porteiro ligou para o meu apartamento pelo interfone. Disse-me que um rapaz havia deixado uma encomenda para mim. Desci para ver o que era.

Quando tomei o pacote em mãos, já sabia do que se tratava. Henrique havia comprado um celular novo para mim. Subindo pelo elevador, já abria a caixa.

Não pude deixar de dar um sorrisinho ao ver o modelo de última geração, com acabamento em alumínio e vidro. O filho do governador poderia ter me dado um aparelho qualquer, mais simples, apenas com o acesso à internet para eu deletar o e-mail de cada dia.

Escolheu, no entanto, o dispositivo mais caro lançado até então. Poderia ser por ele estar acostumado a comprar coisas daquele nível, ou por medo de que eu me desagradasse e mostrasse a todo mundo o seu bumbum selvagem em ação.

Consegui ajustar o aparelho para conectar-se à internet de modo oculto. Logo em seguida, configurei a minha conta de e-mail.

Pelo visto, a página de mensagens eletrônicas havia apresentado problemas com conexão oculta apenas no cadastro, não no acesso. Não precisaria mais, portanto, ficar recorrendo às máquinas públicas.

Após configurar a minha conta, cancelei o e-mail que iria ao ar em poucas horas. Mandei uma mensagem para Henrique agradecendo o presente e dizendo-lhe que havia apagado o primeiro e-mail agendado. Ele não respondeu.

Cumpri meu acordo por mais três dias. Desde então, o rapaz não havia ligado nenhuma vez mais. Sequer tinha aparecido perto da minha casa.

Já era quinta-feira à noite. Mandei-lhe outras mensagens dizendo que seu prazo estava acabando, e que eu manteria nosso acordo se nós começássemos a "namorar". De novo, não obtive nenhuma resposta. Igualmente, ele não atendeu nenhuma de minhas ligações.

Sabia que um cara como ele, sempre acostumado a todas fazerem suas vontades, dificilmente cederia na minha primeira tentativa. Talvez, fosse uma esperança tola da parte dele de manter o que havia restado do seu ego que não se dobra à vontade de uma mulher. Ou, ainda, fosse apenas uma tentativa imatura de manter a sua solteirice convicta. Seja qual fosse o motivo, eu não estava disposta a desistir de tudo por conta de sua birra infantil.

Peguei o meu novo celular e comecei a nova etapa do meu plano. Sentei-me no sofá da sala. Na minha outra mão, havia apenas uma xícara de café com leite e canela. Em todo o cômodo, apenas o meu aparelho era a fonte de luz.

Havia mais de uma versão do vídeo que eu havia editado no aplicativo. Em uma delas, o rosto do garoto de programa e o de Henrique estavam ambos cobertos por carinhas amarelas sorridentes. Era virtualmente impossível identificar os dois daquela forma. O filho do governador, entretanto, reconheceria o quarto e a situação.

Essa versão do vídeo estava programada e endereçada para diversos sites pornográficos do público gay. O título do e-mail era:

"Caiu na net! Filho de figurão político do Nordeste põe o bumbum talentoso pra engolir anaconda do morenão".

Ao ver mais uma vez o nome de mensagem, dei uma gargalhada sentada no sofá. Quando essa versão finalmente foi ao ar, mandei o endereço de uma dessas páginas pornográficas para o número de Henrique. No corpo da mensagem, avisei-lhe que a próxima publicação esconderia só o rosto do garoto do programa.

Coloquei o celular na mesa de centro da sala. Relaxando-me deitada no sofá. Ainda de olhos fechados, pude ouvir meu telefone vibrar. Sorri, pois finalmente chegara a hora de satisfazer o meu mais antigo desejo.

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