Capítulo 1

3.6K 342 214
                                    

Tudo (re)começou numa manhã de sábado.

O sol erguia-se manhoso no mar da Reserva do Paiva. O astro-rei deitava seus raios dourados sobre casas e prédios luxuosos de um quarteirão bastante privado. Aquela profusão de ouro derramava-se por toda aquela rua.

Meus olhos inundaram-se com todo o esplendor. Mesmo com meus óculos escuros de lentes grandes, e a proteção do vidro do táxi, minha íris verde-pálidas não deixou de se envolver por aquela imensidão de luz.

Sorri.

Meus dedos suaves de unhas negras tocaram a trava do carro, abrindo a porta. Logo em seguida, uma perna alva esticou uma sandália de couro escuro e um pequeno salto tocou o asfalto.

Ergui-me de vez. Usava um vestido preto de alça e bem solto que descia até meus joelhos. O tecido fino de minhas vestes tremulou perante a brisa do amanhecer. Algumas pontas soltas de meu cabelo preso em um coque displicente também balançaram.

De frente para a casa de Fernão Alencar, inspirei fundo aquele aroma proveniente do oceano. Ainda conservava o frio da madrugada. Eram poucos os afortunados que podiam desfrutar daquela vida boa.

Dinheiro, porém, pode comprar o conforto, o tempo, e até mesmo a dignidade dos outros. Jamais, no entanto, conseguiria comprar a fidelidade. Ainda mais, quando a empregada em questão foi sempre pisada por uma patroa como Hilda. Como eu sempre a tratei bem, tinha o número dela em meus contatos.

Logo, bastou apenas um agrado financeiro para ela me fornecer algumas informações.

Seguindo as orientações da minha cúmplice doméstica, cheguei à porta dos Alencar antes das cinco. Aquele, pois, era o horário marcado para Fernão levar Cecília num passeio em seu iate naquela manhã de sábado. Ao chegar lá, percebi que a quantidade de dinheiro fora o suficiente para a empregada falar a verdade.

À alvorada, a grade abriu-se. Um veículo negro adiantou-se para a rua. Pelo vidro, prontamente reconheci seus rostos.

O carro estacou, parado com a metade de traz ainda dentro da antecâmara da guarita. De imediato, o motorista e a passageira reconheceram aquela figura majestática trajada de negro obstruindo a passagem daquele veículo.

***

Cheguei pontualmente ao local marcado. Como o combinado, eu estava às três da tarde no alto daquele hotel na praia de Boa Viagem. A cobertura era um restaurante. Aquele último andar era todo cercado de vidro, dando uma vista única de todo o Atlântico. Já era quase noite da terça-feira, dias antes de minha revanche.

Estava sentada à mesa, esperando meu convidado e olhando para o mar. Enquanto aguardava, saboreava aquele momento de expectativa dos dias anteriores à minha revanche contra a família Alencar.

Emergindo dos meus pensamentos, voltei meus olhos para a porta. Do outro lado do restaurante, ele procurava-me. O maitre já estava avisado daquele encontro. Prontamente, o serviçal encaminhou o cavalheiro até a minha mesa.

Era Cláudio Barros. Inimigo eterno de Fernão. E dono de uma das maiores audiências de programas policiais da região.

Ao sentar-se à mesa, Cláudio pediu desculpas pelo atraso. Dei-lhe meu sorriso meigo característico. Ele pediu uma água com limão e gelo de hortelã. Ofereceu-me e eu aceitei.

Sem demorar-me, entreguei o meu celular ao apresentador. Pedi que ele abaixasse o volume do aparelho antes de tocar o vídeo, para não incomodar aos poucos clientes do restaurante àquela hora. Quando começou a assistir a minha pequena obra de arte, sua cara de espanto quase me fez rir.

Ao término do vídeo, Cláudio repousou lentamente o aparelho sobre a mesa. Em seguida, ergueu sua face para mim, com um misto de assombro e alegria no rosto. Ainda com uma expressão suave, eu falei:

CobiçaOnde histórias criam vida. Descubra agora