Capítulo 30

2.3K 283 19
                                    

Sempre fui uma apostadora. Claro, tento fazer o máximo que posso para ajudar a minha própria sorte, contudo procuro superar a irresistível ilusão de que posso controlar tudo em minha vida. Mesmo tão nova, pude perceber que algumas coisas funcionam melhor se deixarmos que o destino siga o seu curso natural.

Um casamento como o de Fernão e Hilda, por exemplo. Muito provavelmente essa união havia sido imposta sem muito amor. Obviamente, convivendo com alguém durante muito tempo, pode-se até desenvolver um laço, um companheirismo.

Já um homem tão charmoso e poderoso como Fernão, todavia, não devia ser muito fiel. Criado nessa cultura que condecora o macho viril que pega todas, e ocupando uma posição privilegiada, ele deveria atrair a atenção de muitas. De vez em quando, contudo, ele também poderia escolher uma dessas interessadas para levar para a cama.

Dessa forma, Hilda devia ter um radar bem afiado para perceber os relacionamentos extraconjugais do marido. Também, uma mulher tão inteligente e sagaz como ela não ia deixar passar despercebido todo o cuidado em demasia que o marido tinha para com a nora.

Ainda, segundo minha sogra, eu estava induzindo o filhinho dela a envergonhar o nome da família, como se aquele garoto não fosse irresponsável e inconsequente o suficiente para enlamear a imagem dos Alencar sem a ajuda de ninguém.

E, para arrematar, ela havia me mostrado que seria capaz de qualquer coisa para tirar uma moça como eu do convívio de seu meio. Inclusive, ordenar alguém me matar.

Não saberia dizer o quanto daquela ameaça era verdadeira. Se essa senhora era capaz de me oferecer um cheque para destruir a minha relação com o filho, talvez não fosse tão impossível para ela cumprir a sua advertência.

Ainda, era só ver como aquela mulher tratava seus empregados. Afinal, nas palavras dela, eu estava no mesmo nível que as trabalhadoras domésticas naquela casa. E, em comum com elas, eu era objetificada, descartável.

De fato, eu era rebaixada e vista como um atrapalho, um mosquito chato que ronda perto do ouvido à noite. Um tapa e estaria eliminada.

Sim, em algumas coisas eu gostava de apostar e esperar para ver o curso dos acontecimentos. Em outras coisas, no entanto, preferia intervir diretamente.

Era noite. Havia acabado de jantar um sanduíche pronto que havia comprado na padaria. Sentei-me no sofá da sala. Em uma mão, segurava o meu celular. Em outra, o meu querido caderninho dos ricos e famosos. Folheei até a última página, achando o diagrama que havia feito da família Alencar.

Fui até o aplicativo de fotos do telefone e encontrei a imagem que havia capturado mais cedo. Era do rótulo do remédio de Hilda. Peguei uma caneta e tracei uma seta apontando para a imagem de minha sogra em meu caderninho. Lá, escrevi o nome de seu medicamento.

Procurei na internet alguns dados que seriam cruciais para mim, anotando tudo naquela seta que apontava para Hilda. Logo em seguida, procurei o telefone de Geraldo, o garoto de programa que tinha contratado para brincar com Henrique de esconder a cobra.

Indivíduos como ele costumam atender os mais diversos tipos de cliente. Inclusive, os que se drogam. Ainda, profissionais do sexo costumam também se envolver com tóxicos para suportar a rotina de vender o seu próprio corpo. Dessa forma, ele poderia me ajudar a encontrar algumas coisas que estavam anotadas no meu caderninho; mediante pagamento, é claro.

Após ter combinado com aquele rapaz um encontro para obter as informações desejadas e dar-lhe dinheiro, desliguei a ligação e deitei-me no sofá. Minha barriga voltou a roncar. Pelo visto, aquele sanduíche não havia sido o suficiente para me satisfazer.

O armário continuava vazio, enquanto todo aquele investimento sem fim não dava o seu devido retorno. Gastei e continuava gastando para permanecer na família de Fernão. Muito em breve, o dinheiro que havia trazido comigo do interior iria acabar, e eu não teria a mínima disposição de virar colega de profissão de Geraldo.

O telefone tocou e eu levei um pequeno susto. Olhei para o visor do aparelho. Mesmo com o coração ainda disparado, eu sorri.

Era Fernão.

Meu sogro queria saber como eu estava, como me sentia. Ele se importava. Aos poucos, era mais do que claro sua vontade de me acolher. Dessa vez, no entanto, nossa conversa não foi tão velada. Tanto que o pai do meu namorado me chamou para sair para conversarmos melhor.

A sós.

CobiçaOnde histórias criam vida. Descubra agora