Capítulo 50

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A festa prosseguia esplêndida. Após um certo tempo, Fernão retornava aos jardins. Não estava, no entanto, sozinho. Entrava de braços dados comigo, e muitos questionavam-se quem era aquela bela moça com o governador. Um ou outro reparava no ar distante, quase aparvalhado, que o anfitrião sustentava.

Da multidão, vimos surgir Cláudio. Cínico, o homem baixinho encarou Fernão e deu-lhe os parabéns pela festa.

– É uma pena que eu não esteja vendo mais sua esposa por aqui – falou Cláudio, estendendo a mão para Fernão. – Espero que você dê um beijo enorme nela por mim.

Fernão continuou olhando para o adversário, sem aperta-lhe a mão. Cláudio, por sua vez, pareceu não se importar, e voltou-se para Henrique, falando:

– Obrigado pelo convite, meu jovem. Essa foi uma noite ótima.

O apresentador olhou para mim, sorrindo. Trocamos dois beijinhos na face, e o adversário de Fernão me falou:

– Um grande abraço pra você, minha querida. Ligue pra mim mais vezes, estou com saudade de nossas conversas.

Nesse momento, Cláudio deu uma espiada com o canto do olho para Fernão. Meu ex-sogro permanecia com olhar reto, encarando algo no horizonte e sem expressão do rosto.

Quando o arqui-inimigo do pai de Henrique se foi, voltei-me para o dono da casa. Com o rosto trêmulo salpicado de suor, meu ex-sogro falou:

– Vou matar todos vocês!

Revirei os olhos. Dando um suspiro de impaciência, respondi:

– Se quiser, pode começar a matar aqui mesmo, na frente de todos. Cláudio ainda tá aqui na festa. É bom que ele já tem pauta pro programa de amanhã de manhã.

Dei dois tapinhas no ombro do governador, aproximando-me de Henrique. Antes de nos separarmos, voltei-me para Fernão e lhe relembrei:

– Venda logo essas propriedades, porque tô precisando de dinheiro. – Dei de ombros. – Afinal, uma garota precisa comer.

Henrique estendeu o seu braço. Juntos, demos as costas para um dos homens mais perigosos e poderosos do estado.

Andávamos os dois pelo lado da casa. Já rumávamos para a saída, na direção do carro do rapaz. Pela porta dupla do salão de entrada da mansão, pude perceber certa movimentação aos fundos, na sala de estar. Olhando, algo confuso, meu cúmplice falou:

– O que será que está acontecendo ali?

– Não sei, Henrique. Temos que ir.

Ele parou, tentando ver algo. Algumas pessoas entravam e saiam de um dos corredores em direção à biblioteca. Henrique, ainda tentando descobrir o que ocorria, disse-me:

– Íris, acho que vou procurar a minha mãe. Ela sumiu já faz um tempo.

– Não temos muito tempo. O teu pai não vai demorar muito a reagir. Temos que seguir com o plano. Se ele for atacar de alguma forma, vai ser com tudo. Temos que ir dormir na casa da tua amiga hoje.

– Você tem razão – concordou Henrique. – Vamos pegar tuas coisas na cobertura de Fernão.

Continuamos na direção do seu carro. Parecia ser uma caminhada tranquila, porém apenas eu sabia, de fato, o quão crucial e tenso seriam os instantes seguintes.

A qualquer momento, Henrique poderia receber a notícia de que Hilda havia infartado, e isso certamente atrapalharia nossa fuga.

De certo, ele até mesmo poderia abandonar o nosso plano e ir ajudar sua mãe. Pior ainda seria se meu comparsa descobrisse que eu tive toda a culpa nesse incidente.

Deveria, portanto, evitar que surgisse esse contratempo. Dessa forma, menti dizendo que eu havia alterado, sem querer, as configurações de data e hora do meu celular. Justifiquei-me falando que o sinal de rede estava ruim, e não conseguia ajeitar automaticamente. Pedi, portanto, o aparelho dele para conferir e acertar esses detalhes.

Na verdade, queria verificar se o dispositivo do rapaz ainda se encontrava no silencioso. Por sorte, estava. Inclusive, até mesmo o modo vibratório estava desativado. Fiquei um pouco mais tranquila. Estava tão perto da minha vitória, não perderia por apenas esse detalhe.

Devolvi-lhe o dispositivo com naturalidade, agradecendo-lhe. Já nos aproximávamos do seu carro. Estranhamente, o veículo, naquele momento, parecia um porto seguro, o meio de me afastar de um local onde havia cometido dezenas de crimes numa noite só.

A porta do automóvel fechou-se, isolando-me daquele lugar. Pude, enfim, respirar aliviada.

Consegui.

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