Capítulo 34

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Após aquele desabafo inesperado, Henrique entregou-se de vez ao seu choro. Ele tremia por inteiro, enquanto as lágrimas escoriam sem controle por sua face. Os seus soluços saíam de tal forma que ele mal conseguia respirar.

Sua boca aberta emitia apenas gemidos altos, como uma dor profunda enterrada em seu íntimo desde sua primeira infância, emergindo com a força de um vulcão em erupção.

Toda a sua mágoa fluiu de uma única vez. Sentia também a energia daquele rapaz se esgotar com aquela lamentação. Aos poucos, ele diminuiu o volume de seus gemidos. Os soluços também se espaçaram. Os tremores, aquietaram-se. Seu corpo, adormecia.

Ele ainda estava com a cabeça no meu colo, e eu com a mão em seus cabelos. Permaneci durante um tempo assim, olhando para frente. As sombras daquele canto mal iluminado da sala projetavam-se em nós, compondo um quadro medonho.

Lembrei-me, portanto, do vídeo com o garoto de programa. Então, não era só a sua masculinidade a única a ser atingida pelo pênis daquele moreno. Eu havia cutucado um trauma primário no filho do governador. Uma dor que talvez nunca tenha sido curada, haja vista a pessoa que Henrique havia se tornado. Nem se eu quisesse ter adivinhado poderia saber que eu estava me vingando de sua tentativa de estupro de forma tão certeira.

Eu o arrumei deitado no sofá. Tirei seus sapatos e suas calças, colocando tudo sobre a mesa de centro. Dentro de sua vestimenta, havia apenas uma carteira e o seu celular. Logo em seguida, cobrindo-o com um lençol que estava no meu armário. Depois, desliguei as luzes da sala e sentei-me na poltrona ao lado.

Não sei se era por conta do álcool, do seu cansaço ou por esgotamento emocional. Henrique, todavia, estava adormecido como se eu tivesse lhe dado outra mistura de remédios e bebida. Dessa vez, porém, eu não era a culpada. Fernão era.

Liguei a tela do meu celular para checar as horas. Meu sogro tinha me mandando uma mensagem. Ri com aquela coincidência. Se bem que não era algo tão incomum assim, pois nas últimas noites estávamos nos falando e trocando mensagens.

No corpo do texto, o meu sogro dizia o quanto havia gostado do jantar e estava ansioso para viajar comigo. E, para variar, repetia-me que ele seria muito mais homem do que Henrique.

Arqueei a sobrancelha, e tive vontade de responder questionando se ele queria que eu levasse para a viagem um biquíni ou uma fralda com chupeta. Infelizmente, tive que continuar com a minha paixonite, agradecendo-lhe aquele dia de sonhos e mandando beijinhos. "Nunca conheci um homem tão especial quanto você, Fernão".

Sim, pessoalmente nunca havia conhecido mesmo, apenas visto nos noticiários.

Desliguei o aparelho, voltando-me para Henrique. Ele permanecia dormindo. Observava-o da mesma maneira que as pessoas costumam olhar para um corpo atropelado na rua. A grande maioria geralmente não está chorando enquanto vê aquele indivíduo sem vida estirado no chão. Apenas observam, mudos, o cadáver.

Passei tanto tempo olhando para Henrique que acabei adormecendo sentada naquela poltrona. Abri os olhos, estranhando um pouco o lugar onde estava. Alguns instantes depois, relembrei dos últimos acontecimentos. Ainda sem me mover, corri os olhos na direção do sofá. Henrique não estava lá, nem o lençol com o qual havia lhe coberto.

Meus olhos desceram para o meu corpo. Eu estava coberta com o tecido que protegera Henrique naquela noite. Ouvi barulhos na cozinha. Mesmo cansada, levantei-me. Andei com dores até o cômodo ao lado, pagando o preço por ter dormido na poltrona.

À porta, vi Henrique de pé no meio da cozinha, vestido ainda só de camisa e cueca e retirando uma xícara quente do micro-ondas. Percebi, portanto, que eu havia acordado com o bipe da máquina.

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