Capítulo 51

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Êxtase.

Segundo a maioria dos dicionários consultados, é a representação de um estado extracorpóreo. É uma experiência única, relatada em diversas religiões desde tempos imemoriais. Trata-se de um estado psicológico que é capaz de fazer com que monges tibetanos consigam atear fogo ao próprio corpo sem nem piscar, ou com que integrantes de tribos primitivas da África consigam atravessar uma lança de uma bochecha a outra sem sequer derramar uma única gota de sangue.

No meu caso, naquele fim de noite mais do que perfeito de uma sexta-feira, a definição de êxtase ia para além de todas essas explicações. Na verdade, podia ser resumida numa outra palavra.

Vitória.

O mundo havia adquirido um novo colorido. Minha vida, novo significado. Após tantas quedas, medos e dúvidas, finalmente eu havia conseguido. Em minhas mãos, teria para sempre o domínio de um dos homens mais ricos da região.

As luzes da noite brilhavam aos meus olhos mais do que nunca. Dentro do carro de Henrique, eu olhava pela janela para as casas, as lojas, os edifícios nos bairros nobres que atravessávamos na direção do centro.

Não precisaria mais namorar tudo aquilo como um sonho inalcançável. Para mim, bastaria apenas um estalar de dedos, e meu cachorrinho Fernão viria rapidamente realizar os meus desejos.

Chamando-me de volta à realidade, Henrique falou-me:

- Você deveria ter trazido tudo e deixado na mala do meu carro. Só vai me atrasar.

- Eu já falei, Henrique. Por mais que a gente tivesse planejado tudo, não dava pra saber como a noite de hoje terminaria. E se, por algum motivo, eu me perdesse de você, se a sua mãe não deixasse você ir me ajudar. Eu preciso deixar meus documentos em um local seguro. Até tinha sugerido a casa de sua amiga.

- Você sabe que não tinha como. Fernanda ainda deve estar chegando no aeroporto, inclusive. É bem capaz que a gente tenha que esperar na portaria enquanto ela vem.

Concordei com a cabeça. Em meu íntimo, porém, havia uma outra verdade. Eu não queria deixar meus pertences mais preciosos sequer chegarem perto de Henrique, muito menos guardá-los no seu carro.

A começar, tinham meus documentos com meu nome verdadeiro, Pilar Correia da Silva. Depois, outras informações vitais que reuni durante todos aqueles meses, e que poderiam me ser útil em diversas situações.

Logo, achei melhor ter que voltar à cobertura de Fernão e pegar todas essas coisas, e só então ir para a casa da amiga de Henrique.

Chegamos ao prédio da minha última morada. Com movimentos rápidos, estacionamos na vaga que pertencia a Fernão. Em pouco tempo, já estávamos na cobertura.

Entrei naquele lugar possivelmente pela última vez. Mesmo com as novas possibilidades chegando ao meu futuro, era uma tristeza abandonar a residência mais cara que eu já havia morado.

Henrique acompanhou-me ao meu quarto, para me ajudar a cuidar das duas malas que iriam comigo. Para minha surpresa, ofereceu-se para levar as duas bagagens ao seu carro.

Aceitei, pois os meus documentos e coisas mais importantes estavam em uma mochila sobre a minha cama, e iria em minhas mãos durante todo o nosso próximo percurso.

O meu comparsa levou minhas malas até o elevador, deixando-me sozinha no apartamento. A passos rápidos, voltei para a minha suíte, a fim de colocar alguma roupa mais confortável para ir buscar refúgio na casa da amiga de Henrique.

Talvez, não houvesse motivo para tanta pressa. Afinal, de certo Fernão ainda teria que se despedir dos convidados. Não era prudente, contudo, ficar com as minhas coisas mais importantes na casa do homem que eu havia acabado de chantagear.

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