Capítulo 39

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As horas restantes naquele arquipélago passaram mais rápido do que eu realmente gostaria. Resolvi, portanto, aproveitar ao máximo junto com meu sogro-namorado.

Apesar de realmente estar me divertindo, estava simultaneamente pensando em uma estratégia de fuga. Queria reencontrar Cláudio sem que o pai de Henrique soubesse, pegando o contato pessoal do arqui-inimigo de Fernão.

Algumas oportunidades menores surgiram. O apresentador de programa policial, mesmo com sua loira ao lado, sempre me paquerava quando me via passando pelo hotel. Provavelmente, aquela fosse a velha autoafirmação masculina perante uma moça bonita; ou ainda, pura inveja de uma outra coisa de Fernão.

De qualquer forma, não importava qual fosse a motivação para o seu interesse sobre mim. O importante, na verdade, era Cláudio não me esquecer, pois eu estava bem empenhada em me fazer lembrar.

***

A segunda-feira de manhã havia chegado e, com ela, também veio o fim dos meus dias de paraíso. De acordo com Fernão, o jatinho alugado iria para Natal, Rio Grande do Norte, bem próximo a Fernando de Noronha.

Meu sogro iria para a convenção regional do partido, local onde Cláudio também iria. Já eu deveria permanecer na aeronave, onde seria levada de volta para Recife.

O combinado previamente era aquele, eu já sabia. Percebi também, contudo, que meu benfeitor ficou ainda mais convicto dessa decisão após seu adversário ter nos flagrado ali. Afinal, uma convenção cheia de concorrentes na política não seria o melhor lugar para se levar a amante.

Para melhorar essa "dispensa", Fernão incumbiu-me da missão de ir para minha casa separar o que eu achasse necessário para a minha mudança. Sim, o pai de Henrique queria providenciar o mais rápido possível a minha instalação em nosso novo local secreto de encontro.

O relógio marcava sete horas quando eu terminava de dobrar a última camiseta dentro da minha bagagem. Fernão ainda não havia aparecido naquele dia, portanto fiquei curiosa se ele estava atrasado.

Resolvi ir até o seu quarto para verificar como estava a sua situação. Saí da minha suíte e fui andando até a porta ao lado. Antes de bater, parei, pois mesmo do lado de fora era possível ouvir o rugido de ira do meu companheiro.

Tentei ouvir atrás da porta, contudo a madeira pesada impedia-me de compreender frases inteiras. O mais importante, porém, havia sido captado: várias ofensas e a menção do nome de Henrique. Meu faro alertou-me para mais uma oportunidade, e eu não dispensaria.

Bati à porta. Ouvi passos fortes e raivosos. Quando Fernão abriu, vi o seu rosto enfurecido, enquanto ele segurava o telefone. Fez-me um gesto brusco para esperar, dando-me as costas e voltando para a sala. Sempre avoada, adentrei o quarto, esperando que meu amante terminasse a sua conversa.

Ainda de costas para mim, sem ter me percebido dentro do quarto, Fernão continuou vociferando ao telefone:

– Não quero saber, Hilda! Eu não vou voltar pra Recife atrás daquele desgraçado irresponsável. Se ele quis sumir, o problema é dele. Tomara que ele suma realmente dessa vez, que ele desapareça pra nunca mais voltar. Tô cansado de ter que limpar as merdas dele, porque esse idiota só faz me prejudicar. – Uma pausa. Mesmo à distância, eu conseguia ouvir a voz alterada de Hilda. – Pare com essa frescura que você não vai morrer. Tome seus remédios. Aliás, preciso que você fique viva. Sua festa de aniversário é muito importante pra minha carreira... Hilda? Hilda?

Houve um curto tempo sem resposta. Fernão começou a andar de um lado para o outro, chamando pela esposa. De súbito, ele estacou. Alguém parecia falar do outro lado da linha.

– Maria Cecília? – questionou o governador, algo aflito. – O que... ela caiu? É infarto? Chame a ambulância que daqui pra hora do almoço chego no hospital.

Eu pensei que nunca havia visto um ataque de fúria tão forte quanto o de Henrique. Estava enganada. Fernão era mais intenso e bem mais furioso.

Seu braço rodou com toda a força, enquanto ele arremessava seu celular na direção das bebidas do bar. De qualquer forma, aquele prejuízo nada seria para meu sogro. Extravasar a sua fúria com relação a Henrique era mais importante.

Ele enfiou os dedos em sua bela cabeleira grisalha. Apertou a mão, segurando firme as suas próprias madeixas. O urro de ódio que se seguiu provavelmente havia sido escutado por todos naquele andar.

Fernão respirava com força, com ira. De dentes trincados, ele ergueu a sua face na minha direção. Já eu permanecia quieta na porta, aflita e assustada com toda a situação.

– Eu vou matar aquele irresponsável! – gritou Fernão. – Aquele atraso de vida desapareceu desde que eu viajei. Já são três dias sem dar notícia. – Chutou o sofá. – Agora, a mãe dele resolve ter outro infarto, e eu vou perder no mínimo uns dois dias da convenção do partido pra fazer essa mulher ficar viva até o dia do baile de arrecadação.

Outro grito raivoso em sua garganta. Felizmente, não preciso depender da convivência dos outros para ter sucesso em meus projetos. Fernão, por sua vez, precisou construir uma família para promover a sua imagem de cidadão de bem e conseguir progredir na política.Essa decisão, contudo, teve seu preço, e ele teria que arrastar consigo aquele fardo pelo resto de seus dias. Sorrir, quando sua vontade era gritar. Voltar e cuidar, quando sua real intenção era prosseguir sozinho.

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