Henrique acabou bebendo boa parte do uísque na popa do iate. Já Fernão passou o resto da tarde consolando-me no sofá da sala. Ficamos lado a lado, assistindo a um filme guardado na memória da TV. Quando o relógio marcou dezesseis horas da tarde, meu sogro resolveu que era hora de voltarmos, pois ele deveria levar a esposa ao culto da igreja.
Antes de partir, Fernão foi buscar o filho bêbado, que novamente dormia por conta do efeito da ingestão de muitos goles de uísque puro. O governador até brincou, dizendo que o filho poderia cair no mar em alguma curva do barco.
Acompanhei o dono da embarcação. Apesar de não conseguir levantar um homem alto como Henrique, ao menos poderia vigiá-lo para que ele não acordasse e o álcool o levasse a revelar algo precipitado a Fernão.
O pai carregava o filho nos braços. Mesmo sendo bem forte, o dono da embarcação tinha certa dificuldade. Já eu o segurava pelas pernas, apenas para ajudar de modo simbólico. Afinal, apesar de todas as agressões por parte de Henrique, eu era uma namorada apaixonada.
O governador pediu que o colocássemos no chão da cozinha, pois se Henrique vomitasse, não correria o risco de sujar o estofado do seu iate. Quando conseguimos acomodar o pinguço, Fernão pediu que eu o acompanhasse até a cabine do capitão.
– Não quero deixar você sozinha com ele – disse-me o governador. – Pelo menos não enquanto ele estiver nesse estado. Ele é perigoso demais.
Concordei, agradecendo pelo seu cuidado. Já na cabine, o comandante deu a partida. Pouco tempo depois, já estávamos na marina do Clube. Com a ajuda de um dos empregados do local, Fernão enfiou Henrique no carro do loiro, prendendo-o com o cinto de segurança no assento de trás do carro. O próprio Fernão resolveu dirigir o automóvel do filho.
– Não vou no meu carro porque não quero que esse bebum vomite no meu estofado – disse meu sogro, acomodando-se à direção. – Esse daqui ele pode encher de vômito. Mesmo que eu vá ter que pagar tudo, não vou dar a chance pra ele estragar logo o meu carro.
Não teci nenhum comentário. Limitava-me a estar triste e envergonhada. Começamos a andar, afastando-nos do Clube de Iate do Cabanga. O sol já estava prestes a começar a se pôr, tanto que os primeiros tons alaranjados começaram a surgir nos céus.
Eu estava no banco do carona, na frente. Minha cabeça pendia um pouco para o lado, enquanto admirava as cores do entardecer nas nuvens. Henrique continuava dormindo como um paciente comatoso no banco de trás.
– Peço desculpas novamente – disse eu, rompendo o meu silêncio.
– Você não tem culpa de nada – consolou-me o meu sogro, tocando uma de minhas mãos, justo a que estava em cima de minha coxa. – A culpa é minha, que não ensinei esse menino a ser homem de verdade. – Deu um sorriso desanimado, olhando para mim. – Viu o que eu queria dizer quando disse que você merece coisa melhor? Ele é meu filho, mas a verdade é essa. Você merece alguém que saiba te tratar direito.
Apertei meus lábios, olhando um pouco para cima. Tentava controlar que as lágrimas voltassem. Com voz de absoluto desânimo, desabafei:
– Eu perdi minha mãe, perdi meu pai, perdi minha única amiga que foi estudar longe. Não quero perder Henrique. Eu só tenho ele.
– Não, não tem só a ele – falou meu sogro, de modo firme, porém carinhoso, ainda com a mão sobre a minha. – Já disse que estou aqui pra ajudar você quando precisar.
Dei-lhe um sorriso que transitava entre a tristeza e o agradecimento.
A marina era perto do centro da cidade. Desse modo, não demorou muito para chegarmos ao edifício onde eu morava. Ele estacionou em frente à portaria e pediu que anotasse o seu número de telefone particular, novamente insistindo para ligar quando precisasse. Aceitei.
Olhei mais uma vez para trás. Henrique continuava dormindo com a cabeça pendendo para o lado, com a boca aberta e a saliva escorrendo. Voltei-me para o meu sogro. O governador deu-me um sorrisinho, e brincou:
– Pode deixar que quando chegar em casa vou dar umas palmadas no bumbum dele pra ele aprender a ser gente.
Dei uma risada mais animada. Na verdade, não estava rindo do que disse aquele homem. Ria por saber que Henrique já levou coisa pior nessa região.
Despedi-me com dois beijinhos no rosto. Por enquanto, aquela era a única demonstração de carinho que meu sogro iria ter de mim. Dando-lhe boa noite, desci do carro. Observei o veículo continuar pela rua bem arborizada, até sumir em uma esquina.
***
Para me livrar da maresia e da carga estressante daquele dia, resolvi tomar um longo banho. Já estava de noite quando saí do banheiro. Fui para a cozinha vestida apenas de um roupão. Os cabelos molhados ainda pingavam.
Abri a porta dos armários, vendo-os quase vazios. Depois, olhei a geladeira e o congelador. Não havia nenhum prato pronto para eu improvisar. O jeito seria pedir comida pelo telefone.
Sentei-me no sofá, com meu celular em mãos. Procurava pelo aplicativo de mapas os restaurantes com entrega em domicílio que atendiam a região. Enquanto passeava pelas opções, pensava que aquela minha situação tinha que mudar logo.
Afinal, eu havia investido muito dinheiro naquela história, já estava na hora de começar a obter retorno. Até aquele momento, contudo, as minhas poucas recompensas foram aproveitar algumas migalhas das pessoas ricas ao meu redor.
O celular tocou em minha mão. Tomei um susto. Não reconheci o número. Também não era nem mesmo de Fernão, pois havia anotado o seu telefone em minha agenda.
Ainda com o coração acelerado por conta do toque alto do aparelho, atendi. Do outro lado da linha uma voz feminina e experiente falava:
– Boa noite, meu amor.
Era Hilda.
– Boa noite...
Não me deixou dizer mais nada e logo indagou:
– Aconteceu alguma coisa com Henrique?
Gaguejei na hora, pois realmente não esperava aquela ligação. A voz do outro lado da linha continuou:
– Acho que isso não está sendo muito bom para ele. Um rapaz tão importante não deve chegar desse jeito em casa, pelo menos não por causa de uma mulher. Vamos nos ver amanhã, certo? Quatro da tarde. Eu sou pontual. Boa noite, querida.
E desligou sem ao menos esperar que me despedisse. Por um longo tempo, olhava para o meu aparelho celular, pensando que o dia seguinte poderia ser decisivo para continuar infiltrando-me na família Alencar.
O dia em que eu iria enfrentaria a minha sogra.
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Cobiça
Mystery / ThrillerUma vilã como protagonista. Jovem, bonita e de origem humilde, Pilar é a típica garota do interior que almeja tentar a vida na capital. Debaixo dessa máscara de moça sonhadora, porém, esconde-se uma psicopata totalmente desprovida de moral ou culpa...