Capítulo 25

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Meu namorado bêbado voltou a dormir profundamente no sofá externo do iate de meu sogro. Acho que mesmo que eu tivesse novamente colocado remédios psiquiátricos em sua bebida não iria consegui fazê-lo chegar àquele estado.

Ele permanecia com sua cabeça repousada em meu colo, com a boca entreaberta deixando escorrer saliva. Do modo mais gentil possível, consegui desvencilhar-me daquele rapaz novamente.

Deixei sua cabeça descansando sobre uma almofada e, na ponta dos pés, voltei para a cozinha da embarcação. Ia terminar de comer o prato colocado por meu sogro. Quando voltei à mesa, não vi mais a refeição que havia sido posta para mim.

Fernão estava à beira do fogão, ainda só de sunga. Ao me ver, meu sogro sorriu e falou:

– Estava esperando que você voltasse. Me desculpe, mas tive que jogar teu almoço fora. Esse prato deve ser comido assim que sai da panela. Você vai comer agora?

Dei-lhe um sorriso, retribuindo a gentileza, e aceitei. Voltou a servir-me legumes refogados com rolinhos de peixe e um molho de mariscos.

Procurei não devorar rapidamente a comida, porém estava bem faminta. Sem falar que a refeição estava verdadeiramente deliciosa. Não precisei, portanto, mentir quando fui elogiá-lo.

Terminado o almoço, dei uma olhada pela porta da cozinha, observando Henrique. O loiro continuava na mesma posição que eu o havia deixado, dormindo como um paciente em coma.

Suspirei, comentando com meu sogro que estava um pouco cansada. Ele me sugeriu ficarmos um pouco na sala de estar para fazer a digestão do almoço. Mesmo tendo feito uma refeição muito leve, concordei, pois aquela era uma das raríssimas vezes que conseguia ficar a sós com Fernão.

Chegamos numa salinha pequena, com cinco metros de comprimento por três de largura. Havia apenas um sofá de dois lugares, uma mesa de centro, um bar e uma televisão de tela plana. Sentamos no estofado macio e eu agradeci mentalmente a minha sorte por aquela mobília ser tão pequena.

Estávamos cada um no canto do sofá. Permanecíamos afastados, mesmo estando tão perto. Ainda havia certa reserva entre nós. Encaramo-nos por um curto instante, sem saber muito o que falar. Quebrando aquele ligeiro desconforto no ar, meu sogro disse:

– Não tivemos muitas oportunidades de conversar assim. Se você não se chatear, eu queria conhecer você um pouco melhor.

Dei um risinho, desviando o olhar.

– Bem – disse eu –, eu já falei bastante de mim naquele jantar, mas não conheço o senhor direito... é... digo – ele riu do meu atrapalho. – Na verdade conheço, porque até votei no senhor...

Ele deu outra risadinha. Procurando me acalmar, colocou a mão sobre a minha. Ainda sorrindo, Fernão falou:

– Primeiro, não precisa mais me chamar de senhor. Eu me sinto trinta anos mais velho cada vez que você me diz isso.

– Imagina! O senhor... você tá ótimo.

De súbito, calei-me, percebendo a minha indiscrição. Ele deu outra risada, achando uma graça aquela moça interiorana tímida.

– Obrigado, Íris. – Deu um suspiro. Sua mão se afastou da minha, e o meu sogro começou a olhar para frente, rememorando as coisas de seu passado. – Você já deve saber que meu avô era político, meu pai era político, e claro que também sou. A família da gente tem essa tradição desde a época dos coronéis. Eu até tentei fugir disso, preferia estar no meio da minha igreja desde pequeno. – Parou por uns poucos segundos, ainda pensando em sua vida. – Acabei me tornando pastor bem jovem. Foi no comando da minha congregação que eu comecei a mandar nas coisas, orientar, tomar decisões. Acabei pegando gosto pela coisa e vi que estar no poder e gerenciar estava no sangue de minha família. Como sempre fui muito querido na comunidade crente, não foi difícil me eleger vereador, depois prefeito, e agora governador do estado.

Eu o observava fixamente. Já ele permanecia com seu olhar distante voltado para as lembranças que desfilavam em sua mente. Tanto que, mesmo quando parou de falar, permaneceu apenas com seus pensamentos. Puxando-o novamente para a conversa, questionei:

– Você conheceu a tua esposa na igreja?

Curiosamente, nesse instante, Fernão parou de olhar para o passado e voltou-se para mim. O brilho do saudosismo em seus olhos apagava-se enquanto ele respondia:

– Sim, ela era uma das líderes da minha congregação. A família da gente é muito próxima há várias gerações. Os bisavôs dela tiveram engenho de cana, que hoje já é uma fábrica de açúcar, enquanto os meus parentes eram coronéis. Eles sempre tiveram uma relação bem próxima. Como sempre convivi com ela, acabamos nos casando.

Casamento por conveniência. Só faltavam os feudos, cavaleiros e suseranos. E, com toda aquela animação com a qual ele comentava o seu matrimônio com Hilda, não parecia que a convivência deles tivera muita paixão. Resolvi investir nesse ponto e comentei:

– Cresceram juntos? Sempre achei que ela era de uma geração mais velha que você.

Ele deu uma risada alta. Logo em seguida, pedi desculpas, percebendo que eu havia faltado com respeito a minha sogra. Fernão voltou a tocar a minha mão, dizendo:

– Não precisa se desculpar. Hilda tem doze anos a mais do que eu.

– Sempre me preocupei com diferença de idade. Henrique é três anos mais velho que eu, já está terminando a faculdade, tem outra visão de mundo. E eu ainda nem comecei a minha vida direito.

Naquele momento, era a minha vez de começar a fitar o nada. Meu olhar algo desanimado deixou transparecer a tristeza nas minhas últimas palavras.

Procurando me consolar, meu sogro colocou uma mão no meu queixo, virando meu rosto para o dele. Inclinou-se, ficando um pouco mais perto de mim. Com aquela voz grave, porém mansa, ele me disse:

– Você ainda é muito nova pra ficar tão desanimada. A vida ainda pode te dar muitas oportunidades. Eu pressenti algo desde a primeira vez que te vi, lá na festa de minha filha.

Meus olhos brilharam com sua revelação, e eu respondi:

– Então você se lembra? Até pensei em falar com você, me apresentar já naquele dia, mas achei que tava cedo demais.

– Sim, eu me lembro. Você é bonita demais pra eu esquecer tão rápido.

Meus lábios estavam entreabertos, contudo não escapava nenhuma palavra de minha boca, apenas o ar. Nossos olhos encaravam-se de modo mútuo e profundo. Ficamos um curto tempo assim, apenas nos fitando.

Dei um pulo para trás.

Henrique via tudo.

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