Capítulo 2

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Em pouquíssimo tempo, peguei o primeiro ônibus para a capital. Minha viagem pela rodovia intermunicipal se tornou algumas horas de visões difusas. As cidades vizinhas, os campos, as plantações de cana, os últimos vestígios de mata atlântica, a descida da serra da Borborema.

Eu olhava para aquelas imagens a correr pela janela do ônibus, porém não as via de fato. Enxergava apenas a estrada. Não aquela por onde o transporte corria, mas sim a da minha ainda jovem existência.

Apenas vinte e um anos. Já vinte e um anos. Nova demais para enfrentar o mundo. Velha demais para continuar esperando que minha vida começasse. Resolvi, enfim, tomar as rédeas da minha situação.

Filha única de uma família de classe baixa do interior, estudei em escolas particulares com bolsas integrais proporcionadas por minhas altíssimas notas. Após a minha formatura no colégio, cheguei à maioridade sem ter a chance de prestar vestibular.

Meu pai havia morrido há um ano, e tive de cuidar de minha velha e cansada mãe, recaída em sua depressão. Os remédios não funcionavam. Pelo que o médico havia me dito, antidepressivos demoram a fazer efeito. Ainda, a dose correta leva tempo para ser acertada.

Por fim, o medicamento acabou funcionando. Minha mãe teve um pouco de ânimo. Ela conseguia se levantar da cama, ir ao banheiro. Certa vez, conseguiu chegar à cozinha, enquanto eu dormia. É... ela estava com disposição suficiente. Até mesmo para cortar os pulsos com a faca que eu usava para preparar galinha.

Aparentemente, a morte não lhe era mais penosa do que aquele sofrimento.

Vi o seu calvário. Presenciei o seu fim. Disseram-me que a depressão tinha fatores genéticos. Dela, porém, devo ter herdado apenas a beleza. Sem mais nada que me prendesse àquele lugar, portanto, tracei o meu plano.

Enterrei minha mãe. Vendi a minha casa. Peguei o dinheiro. Pela primeira vez em minha vida, sairia de Garanhuns para buscar oportunidades muito além daquele lugar.

Depois de algumas horas, minha viagem havia acabado. Meus olhos inchados abriram-se, vendo que o transporte dobrava para entrar no Terminal Integrado da capital.

Meu relógio marcava nove da manhã. Olhei pela janela. O sol parecia nem ter aparecido ainda. O litoral recebia-me com uma grande tempestade.

Descia os quatro degraus do ônibus. Com uma mão, apoiei-me no batente da porta do veículo. Ergui meu olhar e inspirei levemente o ar úmido. Sorri. Com o pé direito, toquei o solo da Região Metropolitana

Prossegui, unindo-me àquele mundaréu a passar pelas roletas do desembarque. Andei por um pátio vasto e coberto, lotado de transeuntes rumando para a bilheteria do metrô, ou para o terminal de ônibus municipais. Já eu, no entanto, não tinha pressa. Estava com fome. Precisava recarregar o meu organismo.

As alças da mala já machucavam a minha mão. Meu corpo pendia para o lado, e eu rezava para não escorregar no piso liso e úmido. Finalmente, cheguei a uma pequena lanchonete da estação. Coloquei minha bagagem ao lado de um banco, e sentei-me.

Analisei o estabelecimento. Observei os azulejos brancos com excesso de gordura no rejunte. A máquina de estufa de salgados estava com o vidro embaçado. Não era, no entanto, por conta do calor do aparelho, pois pude ver que a lâmpada vermelha da frente da estufa estava desligada. Era gordura dos salgados de dois dias atrás.

Distraída com minha observação, não o percebi me analisar. Olhei para o rapaz apenas quando este se aproximou mais. Estava do outro lado do balcão, questionando se eu iria querer algo.

– Sim... – respondi.

Ainda não havia decidido. Também, aquele lugar já havia me tirado o apetite. Resolvi pedir o mais prático.

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