Capítulo 42

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Nos últimos tempos, Henrique estava levando uma vida bem mais desregrada. Havia se entregado ao álcool e às drogas absolutamente, sumido nos últimos três dias. Pelo visto, perder a namorada para o seu pai havia sido humilhação demais para aquele rapaz aguentar.

Dessa forma, Henrique estava ao meu lado, pedindo ajuda para planejar a morte de seu pai. Por mais disposta que eu estivesse para fazer tudo para ter uma vida melhor, matar o governador ainda não estava em minha agenda.

Após a proposta de Henrique, encaramo-nos por um longo tempo. Não parecia haver dúvidas no olhar do meu namorado de chantagem. Curiosamente, não era apenas a raiva que o movia.Em seus olhos cor de mel havia até mesmo certa calma. Pelo visto, era-lhe clara a compreensão de que a sua vida estaria bem mais fácil sem o seu pai pelo caminho.

– Matar? – questionei, tranquila. – Matar alguém é difícil, Henrique. Ainda mais com um homem tão poderoso quanto teu pai. Sem falar que a constante demonstração de amor entre vocês dois iria te tornar o suspeito número um. Não, Fernão é mais útil ficando vivo.

– Ele tem que pagar. É um filho da puta que não presta.

– Sim, mas é um filho da puta bem visado. E quem tem tanta posição também tem muito risco. – Henrique franziu o cenho, mesmo com aquela face inchada. – A imagem perfeita de teu pai realmente esconde muitos podres, mas eu tenho uma coleção deles agora. – Dei um o sorriso com o canto de boca. – Não vamos matar Fernão, mas eu tricotei uma linda coleira pra ele.

– Já falei que ele é esperto demais. Pode comprar toda a imprensa se ele quiser. Tem amigos influentes.

– Não exatamente. Ele pode ter comprado um ou outro sujeito, mas não dá pra subornar todo mundo. O que teu pai faz é comprar as pessoas certas, impedindo que essas informações cheguem nas mãos dos inimigos. Só que agora eu sei exatamente pra quem mandar.

Percebendo a minha linha de raciocínio, Henrique ensaiou um sorriso.

– Não vamos matar Fernão – continuei –, vamos dominá-lo. E, se ele ameaçar morder, a gente joga os podres dele nas mãos das pessoas certas.

– E você tem essas informações? O que você descobriu?

Segurei-lhe, com cuidado, o queixo com o polegar e o indicador, respondendo:

– Essa é uma informação sigilosa, só digo que é o suficiente pra por Fernão na coleira, fazer ele dar a patinha e abanar o rabo.

Henrique venceu a dor de seu rosto inchado e soltou uma gargalhada. Ri junto com aquele rapaz, pensando o quanto cenas como aquela eram impossíveis entre nós meses atrás.

– Só vou precisar de duas coisas – falei.

– Se estiver ao meu alcance, eu faço.

– Sim, vai ser simples. Primeiro, vou ter que visitar você em sua casa pra terminar o namoro contigo. – Henrique balançou a cabeça, concordando, porém sem entender muito. – Prometi a Fernão que você e eu vamos terminar o namoro pra eu ficar só com teu pai. Pedi que Fernão estivesse perto pra evitar uma briga entre nós dois. Podemos aproveitar enquanto Hilda está no hospital, porque sei que tua mãe não quer que eu nem passe na frente da casa de vocês.

– Ela já recebeu alta. Volta amanhã.

– Bem, então temos que ser rápidos. – Dei uma pausa, pensando em algo. – Fernão me disse que haveria uma festa na casa de vocês. Uma festa de Hilda.

– Sim, minha mãe vai fazer aniversário daqui a pouco mais de um mês. Ela sempre faz um baile anual de gala pra arrecadar fundos pra alguma causa que aumente a popularidade do meu pai. Dessa vez vai ser pro Hospital Infantil do Câncer.

Apertei os lábios, jogando meu olhar para um lugar distante entre meus pensamentos. Depois, voltei-me para o meu futuro ex e avisei:

– Você vai ter que arranjar um jeito pra me colocar nessa festa. Lá é o local perfeito pra colocar a coleira no teu pai.

– Como assim?

– Ele vai estar rodeado de amigos falsos que querem derrubá-lo, e até mesmo a imprensa. É o local perfeito pra pressionar Fernão sem ele poder reagir.

Calei-me, encarando-o. Não havia naquele rapaz qualquer sinal de reprovação sobre tudo o que eu havia acabado de falar. Na verdade, ele estava atento, fitando-me com brilho em seus olhos amarelos. Dei-lhe um sorriso suave, relembrando:

– Uma vez eu perguntei se você queria que eu fizesse algo contra Fernão.

– Quero... mas só se eu puder fazer também.

O loiro deu um outro sorriso. Sua mão segurou o meu rosto. Encarávamo-nos novamente, de modo contínuo e profundo.

Na maioria das vezes que havíamos nos fitado dessa maneira, no entanto, era com ódio. Naquele momento, contudo, era algo novo que nascia entre nós.

Cumplicidade.

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