Capítulo 9

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Leona se foi. Não, ela não havia morrido, apenas se formado. As semanas se passaram e minha amiga formou-se em Direito. Sequer teve tempo de fazer a prova da ordem, pois já lhe esperava um curso de pós-graduação em Dublin, na Irlanda.

Como essa sua nova fase na sua jovem carreira profissional começaria em poucas semanas, ela resolveu adiantar-se e ir à Europa logo depois da formatura.

Em nome de nossa amizade, a loira-tempestade deixou-me alguns presentinhos. Neguei o agrado, claro, porém não por muito tempo. Afinal, eu estava era bem necessitada.

A nova bacharela em Direito deixou comigo algumas de suas roupas impróprias para o frio europeu, porém absolutamente úteis para o futuro verão brasileiro.

Ainda, deixou quitado um ano inteiro de aluguel, pois isso fora acertado com o dono do apartamento muito antes da minha chegada. Os recibos estavam ficaram em minhas mãos, porém estavam devidamente no nome de Leona Batista Ferraz por questões contratuais.

Logo após da nossa despedida no aeroporto, voltei para o apartamento. Fechei a porta de entrada atrás de mim, repousando as minhas costas na madeira. Movendo apenas meu olhar, passeei por cada detalhe daquele apartamento de estudante.

Era simples, porém mais civilizado do que a casa da minha mãe no subúrbio de Garanhuns. A partir daquele dia, era todo meu.

Mesmo com esse presente, minha vida estava longe de estar resolvida. O dinheiro da venda da casa da minha falecida mãe não duraria para sempre, ainda mais após eu ter assumido as demais despesas da casa.

Eu, no entanto, sou realista. Não procuraria um subemprego com a minha formação básica. Definitivamente, não estaria nos meus planos passar o resto da vida limpando balcão de lanchonete ou arrumando araras em lojas de departamento.

Sorri.

Como se recebesse uma lufada de ar à beira do oceano numa manhã de verão, fechei os olhos e ri para mim mesma. Um dos herdeiros da família Alencar achou que havia me usado, humilhado e descartado.

Sim, ele fez tudo isso. Continuo, entretanto, pronta para mais uma investida.

Sozinha, ainda na entrada da sala de estar, retirei meus sapatos, a camiseta de algodão e a calça jeans que vestia. Estava apenas de calcinha e sutiã brancos. Tão livre como protagonista de propaganda de absorvente íntimo, fui saltitando até o meu quarto.

Conectei o meu celular na caixinha de som que repousava na cabeceira da minha cama. Coloquei a música mais animada que havia na memória do aparelho e dancei como numa festa nas praias de Ibiza.

Puxei a gaveta do criado-mudo e de lá de dentro saquei um precioso envelope. Abri, retirando o seu conteúdo. Era um dos presentes deixados por Leona; um convite para a família Batista Ferraz para a festa de aniversário de Maria Cecília Alencar, irmã mais nova de Henrique Alencar.

O convite havia chegado pelos correios poucos dias do meu encontro malsucedido com o filho do governador. Como o falecido pai de Leona foi um figurão político da nossa cidade natal e integrante do mesmo partido que Fernão Alencar, era bem natural minha amiga ter sido convidada.

Nos últimos dias, passei o tempo fazendo Leona crer que eu estava interessada em Henrique e era correspondida. Aos poucos, a loira foi diminuindo suas reservas com relação ao garoto e começou a crer que a nossa relação poderia ser frutífera.

Como presente, deixou aquele convite para eu conseguir me apresentar devidamente à família do rapaz, e marcar presença na vida dele.

Ainda, a própria loira instruiu-me a usar o sobrenome dela, pois em festas desse tipo é absolutamente indelicado que alguma recepcionista pedisse alguma documentação para comprovar a identidade. Logo, só o convite me bastaria.

Já naquele momento, sozinha e deitada na cama usando apenas roupas íntimas, gargalhava de excitação. Balançava no ar aquele pedaço de papel como um dos meus primeiros troféus naquela história.

Para muitos, aquela pareceria apenas uma oportunidade de estar numa festa chique da alta sociedade para comer e beber bem. Para mim, no entanto, era mais um modo de investigar e infiltrar-me no meio deles.

Daquele dia em diante, não viveria mais com Leona. Logo, não haveria mais ninguém do meu lado para eu precisar me conter ou me controlar. Sim, estava livre, desimpedida, sem ter que fingir mais nada para ninguém a não ser os meus alvos.

A partir de então, poderia ser quem eu quisesse. Seria Hortência, Íris, Rosa, qualquer flor do meu jardim de personalidades.

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