Prólogo

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                          Abro e fecho meus olhos, me espreguiçando lentamente enquanto meu professor explicava alguma coisa, que não detinha toda minha atenção. Meu professor tinha uma faixa de uns 20 e poucos até mais ou menos uns trinta anos. Nem muito velho, nem muito novo, uma barba rala negra nascia em seu rosto. Seus cabelos, tão negros quanto a noite, penteados para trás, de modo impecável. Seu rosto era extremamente sério, até um tanto assustador, não que isso importasse. Ele vestia uma camisa social sem graça, uma calça social preta e um sapato social, perfeitamente polido.

                           Meus olhos cansados e sonolentos percorrem a sala, olhando cada um dos alunos a minha volta. Que coisa mais terrivelmente chata. As pessoas olhavam fixamente para meu professor, prestando atenção a aula, deixando um silêncio mortal pairar pelo ar. Nem mesmo risadas ou pequenos ruídos, por menores que fossem, podiam ser ouvidos dentro da sala de aula. Todos estavam com os olhos vidrados no professor, que ainda apontava para a lousa, explicando algo que provavelmente cairia na prova.

                          Afundo minha cabeça na carteira, cansado, como se não pudesse suportar a força da gravidade contra meu corpo, enquanto o Pastor, vulgo professor sem sal, dizia algo que não me interessava. Desejo imediatamente ir para minha casa, escutando minha barriga roncar e me perguntando sobre o tempo que faltava para o intervalo. Foi então que algo chamou minha atenção.

                          Uma bolinha de papel amassado acerta minha cabeça cheio, me fazendo olhar torto para o local de onde ela havia vindo. Cerro meus olhos, enquanto meus cabelos lisos e negros caem sobre meus olhos, tornando meu olhar mais sombrio do que de fato era. Todos sempre diziam que eu possuía um ar negro, com a pele extremamente pálida, de modo quase doentio, enquanto meus olhos, negros, tinham um tom impaciente e desafiador. Geralmente, olhares como aquele, eram o suficiente para evitar quaisquer ações de bullys... Mas não a pessoa que havia lançado a bolinha essa vez. Era meu professor, o Pastor.

                         O professor me encara fixamente, apontado para o quadro negro. Ele parecia querer que eu respondesse algo... Que eu provavelmente não saberia, o que me humilharia perante a sala. Tática favorita dos professores para usar contra alguém que não está prestando atenção. Suspiro, vencido, olhando para a lousa em busca da pergunta, para respondê-la. Porém, ao olhar para o quadro, minha visão se torna turva, enquanto as letras dançam pelo quadro, eu não conseguia ler uma só letra daquilo que estava escrito.

                        Me levanto bruscamente, ficando de pé. Cruzo os braços, olhando para o professor, fixamente. Aquilo só podia significar duas coisas: Ou eu tinha dislexia, ou então aquilo não passava de um sonho.... Todos sabem que ler, em um sonho, é impossível, mesmo que meus sonhos fossem doidos o suficiente para me fazer ler, vez ou outra. Resolvi encarar de fato, o sonho. Geralmente, quando eu descobria que o sonho era de fato, um sonho, eu tinha o poder de controlá-lo, a meu Bel prazer.

                      -Isso é apenas um sonho, não é senhor Pastor?- pergunto, abrindo um sorriso torto e sombrio

                      -Seja lá o que quis dizer com isso, essa não é a resposta correta para a pergunta proposta na lousa-diz o professor, inexpressivo.

                      A sala toda ri, apontando para mim, preenchendo o anterior silêncio mortal com algo ainda pior, humilhação pública, um dos meus maiores e piores medos de toda a história. Geralmente, quando se confronta o sonho, ele acaba devolvendo na mesma moeda, mas tudo o que se precisa fazer, é ser persistente. Afinal, controlar os sonhos não é algo simples para alguém que nunca o fez antes. Mesmo assim, continuo com o sorriso torto no rosto, enquanto uma gota de suor frio escorria por minha testa.

                           -Este é meu sonho... Eu posso provar isso, meu querido professor, eu encontrei as Falhas- digo, cruzando os braços novamente. Geralmente, quando se está sonhando, sempre há algo errado, fora do lugar. Pessoas que não se conhecem andando juntos, troca de lugares repentina, hábitos incomuns para alguém acontecendo, alguma coisa fora do lugar... Muitos sinais desse tipo, dão em sonho, eu os chamo de Falhas- O número da sala... Estudamos na sala 12, mas estamos na sala 13 agora... A pessoa sentada a minha frente, não é essa menina que eu nem conheço, fora que, eu nem me lembro de chegar aqui.

                            O Pastor sorri para mim, olhando para mim com os olhos vidrados, enquanto os alunos olham para mim, surpresos, com os olhos arregalados. Ele estala os dedos, fazendo a sala escurecer aos poucos, sendo cercada por uma fumaça negra. Em seu rosto, se forma um sorriso impecavelmente branco e alinhado que o tornava ainda mais sombrio. Seus olhos se tornaram ainda mais negros, escuros, como se devorassem qualquer resquício de cor a sua volta, tornando seu rosto pálido como mármore polido. O gás começa a asfixiar os alunos, que começam a cair no chão da sala, sem ar, buscando por ar desesperadamente, com o rosto refletindo seu pavor completo. Mesmo assim, me mantive inexpressivo, invulnerável ao gás, que matava meus colegas sem dó ou piedade.

                          -Vejam só... É o Orionalta- diz o Pastor, coçando a barba rala- Vamos ver o quanto você aguenta... Com os outros.

                         É então, que mesmo controlando o sonho, eu começo a sufocar também. A essa altura, em um sonho comum, eu já estaria no completo controle, mas dessa vez, não era assim. Coloco as mãos sobre a garganta, asfixiando lentamente, enquanto olhava para o pastor, com aquele sorriso maligno. Logo, corro até a janela, chutando a mesma, que quebra em mil pedaços. Sabia que o choque, de cair de um lugar alto, poderia me acordar.

                          Fecho os olhos com força, mordendo meus lábios, enquanto salto para minha libertação, sentindo o ar passar por mim ao cair. Pensei que ao abrir os olhos, estaria em minha cama, aliviado por finalmente acordar de um terrível pesadelo, que embora parecesse infinito, não era. Porém, ao abrir os olhos, não encontro o conforto de minha cama. Também não sinto a dor que deveria sentir, pela grande queda sofrida... Era como se tivesse simplesmente tropeçado na calçada, não me jogado de cabeça de um prédio de 10 metros de altura.

                          Sacudo a cabeça olhando em volta, boquiaberto. Não estava mais na escola... Mas sim em uma floresta. Meus cabelos estavam cobertos por folhas e terra, enquanto era cercado por árvores de todos os lados. Me levanto, me arrastando pela mata fechada, enquanto me encostava em uma das arvores. Aquilo não fazia sentido! Eu havia descoberto as Falhas! Eu havia confrontado o sonho e me jogado de um lugar alto! Porque diabos não estava funcionando?

                         Foi então que escutei um barulho ao longe, um chiar da mata... Que se aproximava lentamente de mim. Me levanto o mais rápido que eu posso, pensando em fugir, me lembrando logo em seguida, que aquilo seria burrice. Se eu queria acordar, só precisava morrer no sonho, o que não seria uma coisa tão difícil para uma pessoa que havia acabado de se atirar da janela.

                          O som começou a se aproximar, cada vez mais, me deixando cada vez mais nervoso. Agora que estava mais perto, podia ouvir os sussurros, que vinham da própria floresta. "Ele mata tipos como você", "Fuja Orionalta", "Você já era, filho da puta" e outras frases do gênero, pairavam por minha cabeça, me atormentando. Sabia que o que estava por vir era ruim, pior do que qualquer coisa. Não podia ter medo daquilo para sempre.

                         O som fica mais alto, até que algo finalmente se materializa em minha frente. Um grande homem de pele caucasiana, coberto por pinturas tribais e olhos completamente negros, seminu, vestido apenas com algumas folhas, que ele deveria ter pego pela floresta. O homem olha para mim, com uma expressão assustadora, que nunca mais esqueceria.

                          -Olá Nate, Adeus Nate- diz o homem, apontando sua mão direita para mim, como se apontasse, fazendo um gesto brusco, de virar a mão para a direita, quebrando meu pescoço telecineticamente.

Crônicas da Floresta- Livro 1- A Árvore FlamejanteOnde histórias criam vida. Descubra agora