Capítulo 22- O Herói da Profecia

51 4 7
                                    


            Pela primeira vez desde o incidente com Ricardo Reis, tive uma noite de sono completa e sem sonhos. Tinha coisas demais na cabeça para ficar viajando por aí... Agora tinha meus próprios problemas para resolver. Pelo visto, Jurupari entendia e respeitava isso, motivo pelo qual, me deixou em paz.

               Essa era definitivamente a pior sexta-feira de minha vida.

                Não procurei minha mãe ou meu pai aquela noite, não queria falar com nenhum deles. Minha mãe havia mentido para mim durante toda a minha vida e meu pai... Ele sempre foi muito cético, deveria estar perto de uma crise nervosa... Minha mãe estaria ocupada explicando tudo a ele. Só queria me manter longe deles.

                Lily tinha seu próprio quarto, onde escondia Princesa. Foi para lá que ela correu depois da profecia de Lizzy, fechando a porta e gritando com todos que tentavam entrar. Ela não queria ter que falar com nenhum semideus mentiroso. Preferia apenas a companhia de sua fiel cadelinha. Já eu...

                   Acordei na manhã seguinte, ainda vestido com os trajes comuns que me permitiram vestir no dia anterior. Em meio a confusão, esqueceram de me forçar a trocá-los. Por isso, agora eu vestia calça jeans, uma camisa branca e um colar de ônix negro com uma mascara, que me identificava como Curumim de Jurupari.

                Joguei uma água no rosto e caminhei até a sala de treinamento. Estava tão irritado que consegui ignorar os olhares tortos e as ofensas em tupi guarani (Estavam arrumando xingamentos cada vez mais criativos para me ofender). Tudo o que eu queria, era desmaiar.

                Ok, isso pode ter soado muito estranho. Preciso explicar. Geralmente, nos primeiros minuto dos meus sonhos, meu problemas desapareciam, eu os esquecia... Era exatamente isso o que eu queria fazer. Ok, sei que eu disse que Jurupari não devia me incomodar em meus sonhos alguns parágrafos atrás... Mas é diferente. Não queria sonhar com uma cobra de fogo que podia me matar de verdade, ou com minha ancestral indígena morta. Queria sonhar com algo legal para me distrair.

              Caminhei pelo campo de treinamento, que parecia vazio, por exceção de um ou outro semideus. Eles treinavam tão distraidamente, tanto em suas aulas, quanto na caça dos animais fantasma, que nem ao menos notaram minha chegada. Isso me faz sorrir.

              "Isso aí, até agora, ninguém falou nada da minha calça jeans" penso, amargamente "deve ser um consolo. Uau, sua vida inteira foi uma mentira... Pode usar calça jeans, não precisa da tortura de deixar as pernas de fora"

              Me sento em um canto, melancólico, olhando para o horizonte, um tanto irritado. Por algum motivo, até a vontade de desmaiar estava passando aos poucos... Só queria alguma coisa verdadeira, um pilar no qual eu poderia me apoiar, estava começando a perder os meus.

              É então que escuto uma linda voz, melodiosa e feminina. A música era tão triste, que acabou me atingindo, me deixando ainda pior. Sinto uma forte dor no peito ao olhar para a garota que cantava. Ela estava sentada em uma pedra, penteando seus longos cabelos verdes. Seus olhos azuis estavam cravados em mim enquanto cantava, marejados. Ela estava parada em frente ao riacho, que passava pela sala de treinamento.

               Me aproximo lentamente da garota, como se estivesse em uma espécie de transe. Quanto mais ela cantava, mais perto eu chegava. No fundo, eu queria me afastar, mas era tarde demais, minhas pernas não atendiam aos comandos. Eu estava hipnotizado... Aquela garota era uma maldita sereia.

Crônicas da Floresta- Livro 1- A Árvore FlamejanteOnde histórias criam vida. Descubra agora