Capítulo 47- É aconteceu, acreditem.

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Vocês não tem ideia do quanto eu gostaria de dizer: se acalmem, eu estava brincando. Mas eu não estava. Eu nunca brincaria com algo tão sério... Enfim, ao menos você deve estar esperando que o plano de Jaci Jaterê tenha dado errado, não é mesmo? Então deixe-me acabar com qualquer esperanças.

Foram nescessários muitos anos, séculos, para que a profecia fosse divulgada, revelando a ultima peça do tabuleiro... Quem. Quem eram os semideuses que poderiam ser sacrificados para derrubar o véu? Eles já haviam nascido ou ainda não?

Pois bem, o plano foi minucioso, demorou muito tempo para ser executado e não haviam falhas no plano. O véu cairia em breve, quando as almas deles fossem encaminhadas para suas funções no mundo dos mortos, enquanto eu estremeço, abaixando a cabeça.

O céu diante de nossas cabeças se torna revoltoso, como se uma grande tempestade estivesse próxima... Era Tupã. Ele foi o primeiro a chegar. Agora ele usava cada gota de seu poder para impedir que os perversos encontrassem a Terra.

Lentamente, sinto os meus dedos formigarem. Alguns segundos depois, já conseguia movê-los porém, não queria. Não queria fazer mais nada, queria apenas me deitar no chão e chorar. Havia visto dois de meus amigos morrerem, aquilo era terrível.

Nenhum de meus amigos parecia ter uma reação diferente, não adiantaria agora. Todos estavam parados, enquanto Jaci Jaterê ria e pulava, sacudindo seu cajado com um sorriso triunfante. Ele havia nos vencido e sabia muito bem disso. Maldito loirinho babaca.

Levanto a cabeça, fuzilando o deus com o olhar, enquanto o céu cinza e repleto de nuvens se abria... Abria como um rasgo em um papel, revelando um mundo cheio de cores, um mundo tão belo, que precisei desviar o rosto. Sabia que olhar diretamente para aquilo por muito tempo poderia ser perigoso... Lá eu podia ver até mesmo cores que eu nem ao menos sabia que existiam.

Jaci Jaterê balançava o cajado, absorvendo a fonte de seu poder que ainda estava presa do outro lado da fenda... Se tornando tão poderoso, que era praticamente incalculável. Não deixo de abrir e fechar minha boca sem nada a dizer. Pois quando não se tem nada bom a se dizer...

É então que um vulto branco passa diante de meus olhos. Algo passa a uma velocidade tão grande, que quando pisco, o cenário já havia mudado. Jaci Jaterê estava com um dos dedos enfiados no nariz, enquanto a mão que outrora segurara seu cajado, agora segurava uma cobra... Mesmo que não venenosa, foi o suficiente para fazê-lo pular.

Quando o deus olhou em volta, buscado por seu cajado, se deparou com Kaléo, que o segurava com força, sacudindo-o com um sorriso no rosto. Não sabia que ele tinha aquela expressão assassina no rosto até vê-la com meus próprios olhos. Kaléo parecia se vingar do deus, por algum motivo.

Foi então que a expressão finalmente fez sentido. Kaléo lançou o cajado para Caimana, que o pegou com um brilho negro no olhar. Ela tocava-o com cuidado e admiração, como se estivesse prestes a quebrar. Talvez fosse a admiração por ter nas mãos a única arma que a colocaria no mesmo nível que Jaci Jaterê.

O deus se jogou no chão, fazendo birra. Ele socava a terra repetidas vezes, como havia feito com a mesa de Carvalho durante o julgamento. Nunca havia entendido muito bem o motivo para o filho do sol ser tão birrento... Mas agora fazia sentido. Ele era um deus que ficava completamente perdido sem o cajado.

—Eu sou sua mestra agora— disse Caimana, estendendo o cajado—Pare isso. Eu ordeno a você que feche o véu e impeça os outros deuses de passar por ele! Agora, isso foi uma ordem, seu nojentinho anão. Seu mini deus ridículo, faça o que eu ordeno, em nome do cajado mágico.

Jaci Jaterê mordeu a própria língua, sacudindo os braços enquanto seus olhos brilhavam. Ele precisava do cajado de volta e agora eu entendia o porquê. O cajado de Jaci Jaterê dava total controle sobre o deus para o possuidor... É pensar que aquilo esteve em minhas mão ontem e não fiz nada!

—Não dá, Não dá, não dá— repete o deus freneticamente, enquanto eu o olhava com pena. Era horrível a situação humilhante em que o deus se encontrava— Uma vez iniciado, o ritual não pode não ser parado. Não não não. Eu não tenho o que fazer... Agora devolva, antes que eu... Ao Ao, pega!

Caimana soltou um gritinho sufocado, quando Ao Ao começou a correr em sua direção. O carneiro gigante e carnívoro estava prestes a jogar o cajado por cima do deus, como se faz quando se está jogando João Bobo. Foi assim que o cajado chegou até as mãos de Lizzy.

Ao Ao começou a correr novamente, depois de ter sido enganado. Como estava focado apenas em sua tarefa de pegar o cajado, o deus ignorou Caimana, assim que ela deixou de ser a possuidora do objeto, transferindo toda a sua fúria para Lizzy, pronto para devorar a garota.

Lizzy segura o cajado por alguns instantes, tentando entender como funcionava. Ele era muito semelhante ao cajado de um Xamã, por isso, Lizzy parecia ter se afeiçoado bastante a ele... O único problema era que Lizzy não teria tempo para testar sua teoria.

—Sawi— diz Lizzy, sacudindo o cajado. Os olhos da cobra do cajado começaram a brilhando intensamente, enquanto pequenos macacos surgiam do nada, simplesmente aparecendo encima do monstro lendário, que apanhava dos pequenos macacos.— O que foi? Eu só me lembrava desse.

Enquanto estávamos distraídos, Rafael e Maíra pareciam ter formado uma aliança temporária. O grupinho do " um ente querido sumiu" se lançava sobre Jaci Jaterê, revezando na arte de socá-lo no rosto até que começasse a cuspir todos os dentes.

—Onde estão Ana e Tilico, filho do mãe?— pergunta Rafael, dando um forte soco no rosto deus, enquanto Maíra cortava a coxa do deus, fazendo icor prateado vazar imediatamente— Eu não vou ficar perguntando. Ande, me responda agora.

—Goitacágoitacágoitacágoitacágoitacágoitacá— repito, sacudindo os braços. Queria lembrar Lizzy do feitiço que ela havia usado outras vezes. Seria ótimo para ela usar o cajado de Jaci Jaterê, para poder aplicar feitiços conhecidos como simples e fáceis evoluírem.

Lizzy me olha animada. Parecia estar prestes a me dar um beijo, segurando o cajado mágico e dizendo a palavra, que fez com que o deus patinasse em terra firme. Acabo por rir, de como o feitiço havia deixado uma das figuras mais temidas do mundo tão ridícula.

Aproveito a chance para andar até Kaléo, que permanecera no lugar onde estava, o lugar de onde havia jogado o cajado de Jaci Jaterê para Caimana. Ele parecia ainda mais bonito para mim agora.... Lindo sua diante do sol... Como se ele fosse filho de Guaraci, não de Polo.

—Kaléo... An— digo— Sei que não é a melhor hora. Mas talvez não exista mais hora nenhuma depois dessa... Se nós sairmos dessa, eu acho que... Eu acho que eu quero que você me chame com aquela palavra que começa com n... Depois de passar por tudo isso, eu descobri que o amor só funciona se for recíproco...

—Não diz mais nada Nate, não estraga o momento!— diz Kaléo, colocando o dedo indicador em minha boca— deixa eu ver se eu entendi bem, Nate. Você quer que eu namore com você? Um namoro do tipo sair juntos e dizer coisas fofas uns aos outros. Eu aceito... Mesmo que nós tenhamos apenas o resto noite.

Aquelas palavras ecoaram em minha cabeça... "Mesmo que nós tenhamos apenas o resto da noite".

Crônicas da Floresta- Livro 1- A Árvore FlamejanteOnde histórias criam vida. Descubra agora