Epílogo

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Eu estava morto a seis horas, trinta e três minutos e nove segundos. Todos múltiplos de três. Por algum motivo, o pensamento me acalma. Contava os segundos, enquanto seguia Lizzy até o Andurá. Embora eu estivesse morto, Lizzy poderia falar com espíritos e tirar força deles...

Adivinhem? Eu sou o espírito de um super deus, que por ser ligado a Jurupari, tem o dom de dar profecias a ela. Não que isso seja uma coisa boa, é claro. Ninguém gosta de estar morto. Principalmente quando se tem um lindo namorado não Xamã que nunca mais poderá te ver, embora você possa vê-lo.

Lizzy havia prometido que me ressuscitaria, mas eu sabia que aquela era uma promessa vazia. Eu havia selado todos os deuses no mundo deles. Não havia mais de onde tirar força e magia, para os Xamãs. Teriam que se contentar em canalizar espíritos... Que advinhem, não dão esse poder todo.

A pior coisa do mundo foi retornar ao Andurá. Rafael, Kaléo, Tilico, Lizzy, Maíra, Lucas e Nin tentavam entrar o mais rápido que podiam. Rafael carregava Nin, que gritava de dor, pelas queimaduras provocadas em seus braços, eles esperavam que ao menos a Ceci pudesse amenizar a dor.

Ao longe, vejo Lily, que corre na direção de Lizzy, com um sorriso no rosto... Mas para bruscamente, ao ver a cara de Lizzy. Ela havia entendido o que havia acontecido comigo. Porém, estava relutante, não queria entender. Sacudia os braços, estressada.

—Onde está o meu irmão?— pergunta Lily, irritada— O que vocês fizeram com a porcaria do meu irmão, seu bando de filhos da puta?

Meu japim voa até o ombro de Lizzy, lhe dando leves cabeçadas no pescoço. Ele queria mostrar a ela que também sentia minha falta, mas que ela precisava ser forte, precisava ser forte por Lily. Minha irmã, que havia sido extremamente excluída desde que chegou ao Andurá.

—Lily eu...—diz Lizzy, tentando controlar o choro— É melhor você ver com seus próprios olhos. Ele está na entrada do Andurá. Você precisa ver isso, ok? E precisa ser muito forte também.

Lily olha para Lizzy tão irritada, que pensei que fosse socar sua cara. Lizzy acaba abaixando, com medo da reação de Lily. Pela primeira vez na vida, vi algo de Jurupari em minha irmã, quando se relacionado a sua família. Lily corre para fora do Andurá, esfregando os olhos.

—Tilico— diz Dira, a conselheira, filha de Tupã—fomos informados de que você foi nomeado conselheiro no lugar de Itá... Precisamos de você para uma votação, rápida, eu e o outro conselheiro já decidimos o que fazer, então o seu voto é meramente ilustrativo, mas muito importante. Pode vir...

Olho para a conselheira irritada. HELLO? Nós acabamos de salvar o mundo e tudo o que ela diz é que precisava de Tilico votasse em alguma coisa? Isso era um desrespeito ao minha morte, com toda a certeza. Cruzo meus braços, olhando para ela de cara feia.

—Pode falar— diz Tilico, puxando o ar. Ele olhava para a conselheira com um olhar assustado, mas determinado. Seus olhos ainda estavam marejados, por pensar que eu poderia estar no inferno, depois de salvá-lo— Eles são uns idiotas, mas são amigos. Tudo o que disser, diga na frente deles.

Dira olha para ele com uma careta, então assente. O assunto parecia ser muito delicado para ser discutido abertamente. Porém, eu admiro a ação de Tilico. Ele não mudaria nada por se tornar um conselheiro. Isso era bom. O Andurá teria muitos avanços.

—Se você quer assim, que seja— diz a conselheira, dando de ombros— É sobre Jonathan Eperua Carvalho... Mais especificamente, sobre o que aconteceu com ele, para vencerem. Eu sou conselheira a tempo suficiente para entender o que ele fez, já vi efeitos parecidos, foi uma overdose de poder. Ele praticou Antropofagia.

Um herói ele foi

Ou prefere perder?

Sua cara de boi

Queria morrer?— recita Tilico irritado

—Se você está dizendo que Nate não merece uma cerimônia e ser enterrado com os nossos... Saiba que eu concordo com Tilico— diz Maíra, jogando os cabelos— Se você não acha o suficiente ter morrido pelo mundo, o que acha de ter feito isso, poupando sua arminha...

—Maíra— diz Lizzy, batendo no braço da garota, enquanto olhava pesarosa para Nin. Que ainda estava queimada, sendo socorrida por Ceci.

Nin estava desolada, mas não era a pessoa mais desolada em meu campo de visão. Kaléo estava com os olhos vermelhos e inchados, seu cabelos estavam completamente bagunçados e ele brincava com a pedra de seu colar, como se a vida tivesse perdido o sentido, por um instante.

Me aproximo de meu namorado, tentando abraçá-lo e dizer que estava tudo bem, mas não estava. Minhas mãos atravessam por seu corpo, me fazendo cambalear para frente. Mais uma das consequências de se estar morto, você nunca vai poder confortar o seu namorado a respeito de sua morte.

—Não— diz Dira— Embora o Nate tenha quebrado o protocolo, ele morreu como herói... Já receberá punição suficiente, sendo mandado para o inferno... Porém, o que ele fez também não deve sair impune. Pensei em dar a ele um castigo nulo... Lilian Eperua e sua mãe não são semideusas, nem curumins, são humanas, portanto, devem ser expulsas daqui logo após o funeral...

A raiva quase não cabe em meu peito, tento socar a cara da conselheira, mas minhas mãos apenas atravessam. Não acredito que salvei essa puta. Não acredito que salvei o mundo para pessoas como essa puta... Que morri, enquanto ela gozava de sua imortalidade.

"Vaca, Vaca, Vaca" penso enquanto golpeava seu rosto, com minhas mãos intangíveis. Imaginava seus perfeitos dentes brancos se quebrando e caindo no chão.

—Você não pode— gritou Lizzy, com lágrimas nos olhos— Eles perderam tudo... A identidade secreta, o paradeiro seguro... O Nate. Agora você quer jogá-los a própria sorte em um monde onde todos querem se vingar da família Eperua Carvalho pelo que o Nate fazer para salvar você e essa porcaria de árvore flamejante?

—Quero— disse Dira, dando de ombros— Existem regras e protocolos a serem respeitados. Vejam bem, eu não sou inimiga de vocês... Não sou o maluco do Itá. Eu só preciso punir alguém minimamente pelo que ele fez... São as ordens dadas pelos deuses... Isso e o fato de não podermos admitir humanos sem ligações com algum semideus, ou curumim... Agora que Nate está morto, o problema acabou.

—Piranha— murmurou Maíra. Naquele momento, me sinto representado pelas palavras de Maíra. Não acreditava que ela poderia estar fazendo aquilo comigo.

Kaléo parecia interessado em um pedaço de papel, que tirava do bolso, confuso. Vejo meu namorado andar até Dira, dando de ombros e lhe entregando o papel. Ele tinha algo mais próximo do sorriso que conseguiria chegar naquele estado.

A conselheira pega o papel, relutante. Ela o lê em poucos segundos, esboçando uma reação irritada, depois surpresa. Dira olha para o semideus, desconfiada, mas após encará-lo por alguns instantes, ela acaba suspirando e se dando por vencida.

—Tilico, esqueça o que eu falei... Haverá uma mudança de planos-diz a conselheira, se virando e caminhando para longe.— Tenham um bom dia, eu os encontrarei no velório.

Os olhos de todos brilhavam, ansiosos, esperando até que a conselheira tivesse tomado uma distância considerável. Seria muita grosseria perguntar o que estava escrito a Kaléo na cara dela, se não havia se sentido a vontade para ler.

—E aí?— perguntou Lucas— o que está escrito? De quem é?

—Nada demais— diz Kaléo esfregando os olhos— Era um recado de Ceuci, a deusa mãe de Jurupari... As vezes as correspondências de meu pai chegam até mim, quando ele precisa que sejam entregues a semideuses e curumins... Ela dizia apenas: "O Tigre Azul está vindo, sua única chance é a Lilian. Ela não é legado de meu filho, ela é minha."

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⏰ Última atualização: May 19, 2017 ⏰

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