Capítulo 50- Ainda em meio a escuridão

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—Não! Por favor não— digo, recuando. Olhava para a deusa incumbida de me matar com os olhos brilhando, enquanto tremia de medo— E-eu não menti, eles não riram porque é mentira, é verdade. É verdade, não me mata Anhangá, por favor

O deus rugiu, como um leão, me fazendo ficar em silêncio. Os outros semideuses estavam com os olhos arregalados, vendo o seu pesadelo de infância tomar vida... Enquanto eu era condenado a morte por tentar ajudar aquele bando de ingratos. Sinto uma raiva crescente no peito.

—Diga suas últimas palavras, Jonathan Eperua Carvalho— diz a mulher, puxando a corda do arco. Assim que ela o fez, uma flecha negra surgiu em suas mãos... Era como se a flecha fosse feita de sombras... Sombras completamente sólidas— Espero que as escolha bem, pois serão memoráveis.

Abaixo a cabeça, observando a lança de Tilico caída. A lança que ele havia usado para atingir Xandoré... Pequenos grãos de areia empurravam a lança, que rolava lentamente. Observo a lança rolar, pisando no pé de Caimana para que ela também notasse. Caimana olha disfarçadamente para lança, enquanto ela parava, diante do liquido derramado, do frasco de Lucas que havia explodido.

—Eu só tenho duas palavras a te dizer— digo. Nunca antes tinha sentido tanto ódio me preencher. Era como se toda a raiva que senti ao ser humilhado no Andurá tivesse sido guardada para esse momento especificamente.—Morre, vaca.

Nesse momento, um vulto branco me carrega para muitos metros de distância. Embora ainda pudesse ver os deuses, estava longe demais para para que pudesse tomar alguma atitude. Sinto Kaléo me abraçar com força, beijando meu pescoço enquanto eu observava o que acontecia com meu amigos.

Caimana havia pego a lança no chão, no lugar onde eu havia deixado. Ela usou toda sua velocidade e força para cravar a lança no peito de Ticê. A esposa de Anhangá mal teve tempo de revidar. A lança de Caimana havia perfurado sua linda armadura, transpassando sua carne até chegar a seu coração, fazendo icor prateado jorrar.

A deusa não estava morta. Deuses só poderiam morrer com golpes divinos ou chama sagrada, pelo pouco que sabia de mitologia. Ela estava apenas em coma, devido ao elixir de Lucas, que havia sido depositado na ponta da lança. Ainda assim, não consigo deixar de comemorar minha vitória.

—Sua piranha burra— berra Anhangá, empurrando Caimana. A garota cai no chão com força, enquanto o deus se aproxima dela. Maíra tenta defender a Aminimiga, mas é empurrada pelo deus também, sendo jogada para longe. Lucas tenta conjurar um feitiço para ajudar Caimana, assim como Lizzy, mas ambos foram calados com apenas um gesto de Anhangá. Rafael dá um passo na direção do deus, então vai no chão, sentindo terríveis dores de cabeça—Vai aprender a respeitar os deuses, garota.

O deus estende a mão direita para a garganta de Caimana, enquanto seus olhos começam a arder em chamas, dentro das órbitas. Ele voltara a me lembrar aquele veado que havia encontrado na floresta, destruindo três semideuses com uma facilidade incrível.

A forma da mão do deus começa a queimar na garganta de Caimana, que tenta gritar, sem sucesso. Um fino filete de fumaça confirmava as suspeitas de carne queimada, enquanto Caimana convulsionava. Os deuses menores se mantinham em silêncio, observando a cena. Até mesmo Teju e Xandoré haviam parado de lutar para observar.

Tento correr de volta, ajudar Caimana, mas Kaléo me segura, me pedindo para ficar fora do caminho. Grito por Caimana, me lembrando do dia anterior, me lembrando das palavras ditas a mim no dia anterior, no quanto havia sofrido.

Em minha cabeça, vem a imagem de uma Caimana um pouco mais nova, apaixonada, torcendo para que o conselheiro do Andurá respondesse as suas investidas. Ela estava deitada em uma cama cor de rosa, escrevendo em seu diário sobre o quanto gostava dele e o achava maravilhoso.

Jaci Jaterê gargalhava, enquanto Caimana parava se debater aos poucos, me fazendo gritar de ódio. Minha vontade era quebrar a cara daquele bostinha, mostrar para ele que caráter comigo, é assim: Ou você tem, ou vai tomar um soco na cara... Se a vida não der, eu mesmo dou.

Lizzy golpeia o deus com o cajado de Jaci Jaterê, tentando conter as lágrimas. Porém, assim que o cajado entra em contato com o deus, ele se parte ao meio, estourando em uma explosão de luz que é suficiente para derrubar Anhangá no chão, batendo a cara em uma das pedras.

Jaci Jaterê corre até os resquícios de seu cajado, chorando copiosamente enquanto Anhangá se levantava. O deus olhava furioso para Lizzy, pronto para fazer com ela o mesmo que havia feito com Caimana. Mordo o lábio, fechando os olhos, eu não queria ver aquilo.

Sinto Kaléo me apertar fortemente, o que me faz abrir os olhos novamente. Lizzy ainda estava viva... Mas agora, Anhangá olhava para Nin, que tinha uma bola de fogo em mãos. Seu rosto estava assustado, porém, decidido, eu sabia o que ela estava prestes a fazer e não concordava nem um pouco.

—Manda a ver ruivinha—diz o deus, com um sorriso no rosto. Ele arregaça as mangas do paletó, pronto para dar uma surra nela, parecendo não se preocupar em se esforçar— Já passamos por isso antes, não se lembra? Você não é forte o suficiente para me conter.

—Quer mesmo apostar?— pergunta Nin, estendendo as mãos. Um jato forte de chamas atinge o deus, sem lhe causar muitos danos. No começo, o fogo era intenso e de uma grande quantidade... Agora, já começava a diminuir o tamanho lentamente.

—Vamos, garotinha— diz Anhangá. Conforme Lizzy lhe lançava fortes rajadas de fogo, seus olhos assumiam uma intensidade maior nas chamas, como se ele as absorvesse para dentro de sua cabeça... Algo que que poderia ser muito perigoso para ele se...

Nin fecha os olhos, deixando escorrer uma lágrima. Até então, nunca a havia visto chorar. Nin sempre me parecerá uma pessoa forte, alheia a meros sentimentos humanos... Ela era nossa principal arma contra os deuses, a semideusa mais forte do Andurá... Mas ainda era uma garotinha.

Não queria perder outra amiga. Não Nin, não Lizzy, não Rafael... Eu os defenderia. Já não meu importava mais se eu viveria ou não. Me sinta culpado pelo que havia acontecido a todos no recinto. Eu havia sido um peão, um peão dos deuses... Um peão que estava disposto a se sacrificar pelo check mate.

O jorro de chamas alaranjado de Nin se torna dourado bruscamente. Como uma explosão de luz, enquanto sua única lágrima descia do rosto. Suas mãos começaram a carbonizar, a fazendo gritar de dor enquanto lançava as chamas contra o deus.

O resultado em Anhangá foi ainda pior... Além de ter boa parte do rosto queimada, fazendo com que seu cabelo caia, fulmegante, os olhos do deus estouraram, as órbitas de seus olhos voaram para todos os cantos, em uma mistura de branco e laranja, enquanto o deu gritava, colocando a mão direita sobre o rosto.

Estendo minhas mãos para Nin, cerrando os dentes. Uma grande montanha de Aiba Aimirim começou a flutuar, voando do corpo de Jurupari, que olhava em volta confuso, formando uma mão de areia negra gigante, do tamanho de meu tronco. Com a mão, faço apenas um movimento, empurro Nin, a fazendo cair, impedindo que morra queimada tentando matar o deus.

Sorrio, alegre pelo triunfo, até ser atingido pela fadiga. Sinto minhas pernas amolecerem, caindo no colo de Kaléo. Não entendia... Se eu conseguia canalizar a todos tão bem, por que não podia fazer isso com a pessoa que deveria ser a mais facial de se canalizar?

—Argh, meus olhos, vocês estão mesmo ferrados— grita Anhangá, enquanto esfregava o rosto, nervoso.

—Eu receio que não— diz uma voz forte, que ressoa por todo lugar.

Um forte estrondo quebra o silêncio do ambiente, me fazendo olhar para o campo de batalha, ansioso, enquanto tentava me manter de pé e acordado. Sabia exatamente o que aquilo sigficava. Estava feliz por saber o que aquilo significava.

—Tupã, covardão— diz Anhangá—Manda essas crianças para fazer o seu trabalho... Deveria sentir vergonha.

Um poderoso raio atinge a Terra em resposta, lançando um clarão que nos cega momentaneamente. Estávamos salvos!


Crônicas da Floresta- Livro 1- A Árvore FlamejanteOnde histórias criam vida. Descubra agora