Acordo devagar, algo quente e pegajoso escorria por minha testa, enquanto um barulho alto e estridente atacava minha enxaqueca. Fecho os olhos, sacudindo uma das mãos para que o barulho parasse. Com a outra, tento limpar o que escorria, levando lentamente até meus olhos, para ver do que se tratava.
Era sangue.
Me levanto assustado, tateando meu bolso em busca do sacro tare, como quem confere se as chaves e o celular ainda permanecem com você, antes de sair de casa. Porem, suspiro aliviado ao constatar que estavam. Minha segunda reação foi olhar em volta desesperadamente para tentar entender onde estava.
Estava em uma espécie de cela, dentro da caverna. A pouca luz que adentrava o local vinha do exterior da caverna, da luz do luar que emanava pela saída. Haviam várias celas como a minha. Cada cela abrigava uma média de três pessoas... A minha abrigava Lizzy, Kaléo e eu, sendo que ambos estavam desacordados.
—Bravo, bravo— diz uma voz, vinda do fundo do túnel. Por algum motivo, sabia que estava falando comigo, só poderia estar falando comigo— Vejo que está deixando de ser a Bela adormecida... Sua amiguinha filha da lua me contou até mesmo que você acordou o seu namoradinho com um beijo... E eu que pensava que você era a Bela adormecida da relação.
Olho para o túnel, esperando minha visão se adaptar ao que via. Meus olhos ardiam e dificultavam muito o ato de ver diante daquele breu... Mas lá estava ele, iluminado pela luz da lua, como um pequeno fragmento da lua, exposto diante de meus olhos.
—Saci Pererê— caçoo, me lembrando do deus, que havia fingido ser o conselheiro birrento por tantos anos, Jaci Jaterê— Se você encostar em um fio de cabelo da Caimana, ou de qualquer um deles, eu mato você. Mato você e espalho suas cinzas pelo inferno, você entendeu? Não chegue perto dos meus amigos.
O deus me olha com uma expressão de extremo tédio no rosto. Ele parecia não dar a mínima para mim, enquanto brincava com seu cajado, parecia pronto para me golpear na cabeça, pela mais pura diversão. Sentia nojo do olhar falsamente ingênuo do deus.
—Saci Pererê não existe! Eles misturaram as coisas. Meu nome significa Jaci, lua, Jaterê, pedaço. Pedacinho da lua. Sou o único dos sete monstros lendários de aparência bela. As influências africanas e europeias me transformaram em negro, perneta e fumador de cachimbo— diz o deus com desprezo— Não gosto nem um pouco do que fizeram com minha imagem. Passei de "terrível deus seqüestrador de crianças durante o cochilo da tarde" para "Caboclo brincalhão causador de problemas".
—É o folclore— digo dando de ombros— ele mostra o que o Brasil é de verdade. Uma grande mistura, onde a parte indígena é desmerecida e mal interpretada, a parte afro-brasileira é acoplada a outras partes e misturada, até se tornar só uma curiosidade e a parte européia é super valorizada.
—Você é inteligente Jonathan— diz o deus— Mas não considere isso um elogio. Pessoas inteligentes são irritantes, questionam sobre tudo e parecem entender muito sobre muitas coisas... Ninguém gosta de um sabe tudo. Talvez seja por isso que tenha sido tão fácil fazer o Andurá odiar você...
—Onde está o meu japim?— pergunto, irritado— Liberte meus amigos agora e me devolva o meu japim, antes que eu me irrite e destrua você, Saci Pererê. Vai perder mesmo a sua perna quando eu terminar com você! Ande, faça o que estou mandando.
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Crônicas da Floresta- Livro 1- A Árvore Flamejante
FantasyNate não é o herói da profecia. Nate não está destinado a grandes feitos, ele apenas estava na hora errada e no lugar errado, isso mudou a sua vida para sempre. Jonathan Eperua Carvalho sempre foi um garoto esquisito, mas não do tipo clichê, que sof...