Ao pé da montanha

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Os corvos grasnavam. Cutucavam os olhos inexistentes dos corpos podres. Quando do meio das ruínas um peixe enorme estourou o chão. Espatifando pedras, simplesmente tudo foi pelos ares. No meio disso dançavam dentes muito afiados por entre a poeira de demolição, centenas deles de uma bocarra quase tão larga que, facilmente engoliria dois trens.

Uma espécie de peixe diabo emergia do fosso de vovô Karnistein. Ele ralhava com metade do corpo preso no fundo. Batia as nadadeiras laterais na tentativa de libertar-se. Sua lanterna balançava de um lado a outro com o bicho berrando. Os olhos esbugalhados em roxo com as escamas da barriga querendo abrir. Certamente os gritos eram de dor.

Carmilla fugia do túmulo de pedra, com a mochila nas costas e, uma porção de cortes e a roupa estourada. Saltou dos escombros por sobre um dos poucos alicerces que se mantinha com a ponta esticada sobre o chão. Ela parou na ponta deste. Assistindo ao peixe fora d'água. Seus dedos apertavam firmemente ao cabo da arma que a devorava em combate.

-Não exagera. Nem estou lutando a sério – Mirou o peixe - Uma moreia consegue vir pra cá. E eu que não sou daqui, você não leva - Mirou a espada. A vampira deu um forte suspiro raivoso, imaginando como matar aquela coisa.

Sem qualquer chance de reação a lanterna da criatura quase lhe arrancou a cabeça. Atirando Carmilla na única parede restante da sala de estar. Ela afundou uns três centímetros na rocha. Quando esta cedeu sobre si. Chutou os escombros até se libertar.

- Bicho estúpido! - Rosnou. Ela espremeu o cabo da espada, furiosa. A lâmina se recusava a obedecer seus comandos.

A lanterna pairou sobre seus cabelos e, num veloz movimento fora decepada jorrando o sangue esverdeado. Carmilla apertou os dentes enquanto o monstro lhe direcionava todos os guinchados de dor. Ela disparou nele, mas a lâmina apenas fizera um risco por sobre as escamas, a vampira bufou. A antena da lanterna - sem o bulbo - a chicoteou espirrando sangue.

Ela enfiou os dedos naquele chicote, sendo sacudida. De um lado a outro. Até que depois de uma colisão violenta numa viga de metal, ela pareceu ter desmaiado. O fio a jogou entre os dentes amarelados e tortos, sendo engolida de uma vez.

Dois minutos inteiros se passaram com o peixe de estômago cheio. Porém ao terceiro minuto, sua expressão fora de total agonia. Manchas verdes brotavam abaixo das escamas, transformadas em chagas púrpuras estourando cada pedaço de queratina sobre a pele e, finalmente rasgando o monstro em uma explosão de carne e tripas.

No meio da carcaça estava a vampira. Dos pés à cabeça embebida do verde das veias da criatura. Num único movimento com o braço, ela limpou o excesso de sangue da arma. Um cheiro de humanos a fez virar o rosto para trás perto da estrada. Guto. Mas ao se dirigir para lá. Não havia ninguém. O cheiro não era de um garoto encardido. Era um aroma meio adocicado misturado a outro amadeirado...um leve aroma dopante.

***

Movimento algum se via na estrada de Getroffen. Acidentada de subida ao pé da montanha, estreita que só cabia um carro, ou o velho caminhão minúsculo da tecelagem. Uma pequena luzinha tremulando entre a pesada floresta sombria que, ladeava o caminho precário.

Com o som de bolhas e um carburador enferrujado, o carango diminuía perto da única edificação ao fim da estrada. Um prédio de dois andares, paredes e chão de madeira, iluminado por velhas lâmpadas de óleo.

- Filha! – Gritou o senhor Hollis com o tombo da loira ao pular do caminhão – Espera! Deixa eu desligar o motor! – Disse todo atrapalhado freando os últimos milímetros. A essa altura. Laura já estava de pé correndo para a porta da pensão.

- Ta bem, tchau pai – Dizia com metade do corpo para dentro, tentando dispensar o homem.

- Não. Espere ai, eu tenho de falar com a senhora Perry antes – Respondeu brigando com o cinto enroscado no pé, enquanto o outro o sustentava no chão.

- Pai, a senhora Perry deve estar dormindo.

- A filha dela não!

- Neta – Corrigiu – Não confunda, ou ela vai aumentar o aluguel.

- Se isso te mantiver segura, dou até minhas calças! – Respondeu desvencilhando o calcanhar do cinto.

Laura entrou no salão, onde Perry a cumprimentou e, lhe serviu uma caneca de achocolatado bem quente sobre o balcão. O senhor Hollis lhe cumprimentou, mas recusou qualquer bebida. Ele entregou um maço de dinheiro a ruiva que, demorava a aceitar. Porém ele insistiu.

- Por favor, senhorita Perry, pegue – Ele esticou o braço sobre o balcão.

- Mas senhor Hollis. Isso é demais, já pagou o bastante para quase oito anos aqui – Dizia ela polindo uma caneca de cerveja.

- Isso é para uma emergência. Qualquer coisa pegue isso, minha filha e quem mais quiser, mas de o fora daqui com ela. A salvo – Laura engasgou o chocolate com o tom sombrio do pai, mirando-o de soslaio.

De má vontade, mas Perry pegou o dinheiro, tendo em vista que o homem não aceitaria um não.

- Não me olhe assim, é pra sua segurança – Disse ele com uma sobrancelha levantada. Laura deu uma risada gostosa lhe dando um abraço – Fique bem viu, amanhã me espere, eu venho te buscar, não ande sozinha esta bem? – Disse o paizão com o rosto nivelado ao da filha.

- Esta bem – Respondeu revirando os olhos, mas sem desfazer o sorriso.

Eles se despediram, do lado de fora com o senhor Hollis ligando aquele calhambeque barulhento. Laura voltou para o salão quando as luzes traseiras do veiculo sumiram no inicio da estrada, pulando com os buracos. Fechou a porta e caminhou para o balcão, tirando todo o ar dos pulmões. Quando se deparou com uma figura escura, de capa, o rosto apoiado entre os braços sobre uma mesa no canto, os cabelos úmidos e jogados de qualquer jeito, com umas garrafas de vinho a sua volta.

Laura se viu perdida ao olhar a figura.

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One More NightOnde histórias criam vida. Descubra agora