Beijo de reconciliação

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Para dizer a verdade, Carmilla não havia dormido, não aguentou ficar no mesmo quarto que Laura naquela noite. Nem na seguinte, quando tentou invadir a cama da loira – tentando roubar um beijo – depois disso tornou-se impossível estar no mesmo recinto, sem que o desejo a comandasse. Os dias eram solitários, a todo custo a jornalista evitava contato e, as noites terminavam afugentando a vampira para a cozinha.

Tentou comer um pouco da sopa do jantar, o que estava sendo uma árdua tarefa, ainda sobre o efeito dos resquícios da bala. Bateu os braços na mesa, quando LaF apareceu na entrada amarrando o roupão fofo, bordado Laferry no ombro.

- Sem sono? – Perguntou abrindo o armário de cima pegando uma caneca.

- Não tenho dormido ultimamente – Respondeu a vampira afastando o prato de sopa.

- Parece eu, também ando perdendo o sono, durmo uma ou duas horas, depois acordo sentindo calafrios, estou assim desde o natal – LaF tirou do armário o achocolatado e, se apoiou na pia esperando o leite esquentar no fogão – Carmilla, não é?

- Acho que sim.

- Pode me contar o que foi o tal polvo do outro dia?

- Foi um polvo ué.

- Caramba então é verdade, mas como?! – Empolgada a cientista esqueceu-se do leite transbordando no fogo. As duas falaram um pouco mais do sushi, limpando a meleca com o papel toalha se desfazendo. Carmilla pensou, fechou os olhos tentando escutar o coração de Laura e, para sua surpresa, não escutava quase nada, esteve distraída e seus sentidos inibidos de bronze, cogumelos lareira e sabe-se lá mais o que tinha na maldita bala; também demorou a perceber a sórdida criatura marinha brotada do chão.

No dia em questão quando tentava voltar para o quarto:

Tinha o estomago atochado, rejeitando tudo o que recebia e, a briga com a loira só havia piorado o quadro clinico; tentou seguir para a cozinha após o grito de Perry, mas estava tão fraca que, Laura foi mais rápida, poucos minutos depois seguiram estrondos de queda e luta, porém o corpo não cooperava; foi o aroma do sangue da galega a libertar força e fúria adormecidas, pois aquele sangue tinha dono.

- Você não vai comer mais? – Perguntou LaF apontando o prato faltando meia colherada – Se não for, deixa ai que vou dar pro cachorro, acho que a Laura não tem lembrado de alimentar o bicho.

- Pode levar.

LaF despejou a sopa numa tigela de plástico, quebrou dois ovos encima, picou uma linguiça de ganso e, de toque final desenhou com ketchup.

- Tudo isso? Isso é? – Disse Carmilla achando certo exagero na refeição do cão, mas quase riu ao enxergar uma caricatura sua em molho de tomate – dava para ver os dentinhos de vampiro.

- Tenho memória fotográfica, Laura sempre desenha esse rosto na comida dela, ao menos é assim que tem sido e, até na tigela da Chello, nossa, parece com você – Pasmou com a semelhança da expressão carrancuda, exceto pelas presas – Então é você mesmo de quem ela tem falado tanto, anima ela um pouco, ela ta triste porque o pai não voltou pro natal.

Se LaF soubesse o real motivo da tristeza da jornalista, nem conversaria com a motoqueira, estaria agora correndo atrás dela com uma motosserra em punho. Foram elas duas alimentar a peluda. Carmilla sorria internamente do apego da Laura a sua imagem – em todas as refeições atestara LaF, em todos os pratos, de alguma forma a loirinha divagava desenhando com o garfo, usando as ervilhas para os olhos, o purê como cabelo.

A vampira fechou os olhos, com algum esforço, escutou levianamente os batimentos da garota no 307, mal poderia esperar estar forte outra vez, escutar nitidamente o coração dela, acelerado junto ao seu, num beijo – correspondido e não roubado.

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