Três cartas

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Neve funda. Ninguém era louco para atravessar dois metros de neve, a menos que fossem LaF e Perry numa missão de resgate, e não, não era Kirsch a donzela bêbada em questão. Pelo o que dava para chamar de rua, as duas se ajudaram a chegar à tecelagem dos Hollis. Quase não dava para ver o letreiro congelado. Como sempre a porta da frente emperrava, mas LaF sabia o jeitinho.

Puxa para cima, gira e empurra.

Perry guardou as chaves reserva, e apertou o interruptor, tudo supostamente em ordem, exceto pela caixa do correio atrás do balcão, quase viravam papel marche de tão apertadas as cartas. O lugar tinha o cheiro dos rolos de tecidos novos, de metal e óleo das máquinas de costura. Elas passaram o corredor, e abriram a porta para a escadaria do porão, e subitamente se seguraram da parede, pois um cheiro de morto veio do buraco escuro.

- Minha nossa um rato deve ter morrido ai embaixo. – Disse Perry fazendo uma careta ao tampar o nariz e boca com as mãos.

- Um rato não. – Respondeu LaF.

- Dez então.

- Não, se fosse um bicho morto o cheiro era outro, isso ai já ta mumificando, nossa. – Ninguém ia discordar da bióloga.

O fim da escada deu com uma cortina feita com restos de vestidos, e uns rolos de tecido no fim como armação. Imundas de restos de comida. As duas passaram a precária e recente porta, e deram de cara com um atentado a saúde pública.

Três pilhas de roupa suja, disputavam o espaço das camas. O chão quase não existia enfeitado de embalagens e mais peças de vestuário. Restos de biscoito, cookies, wafers e tudo mais que tivesse chocolate estava no cardápio.

Uowww disseram em uníssono do pandemônio Laura deprimida.

- Fiquem a vontade. – Disse a loira largada na cama que servia de sofá. Que cena deplorável, com um pote de sorvete na mão, e uma espátula para torta na outra. Meias besuntadas de molho seco de dois dias, camiseta extra GG e uma larga calça de moletom, um confortável e casual look para dentro de casa, mas todo o conforto ia para o brejo com uma semana de falta de banho.

- Ta um cheiro de podre aqui, da pra sentir com os olhos. – Comentou Perry.

- Laura, qual foi a última vez que você tomou um banho? – Perguntou LaF examinando o cabelo desgrenhado. – Laura, tem um cheetos no seu cabelo.

- Ah valeu. – Respondeu mastigando o achado do cabelo.

- Acho que vamos precisar de mais que um esfregão e desinfetante. – A dona da hospedaria dizia preocupada do grude no teto.

- Eu pensei em um psiquiatra e rivotrio na veia. – Disse LaF pendendo também para um taco de baseball na testa da galega. Quem sabe no tranco volta o juízo.

Foi um tanto difícil limpar tudo, ainda mais que para onde Perry passava a vassoura, Laura deixava um rastro de tampas e embalagens de biscoito.

- Tira ela daqui. – Bufou Perry esmagando o cabo da vassoura.

LaF deu um jeito de expulsar a porquinha, antes da "dona chão escovado" explodir. Quem liga para neve e frio? Gente sã não sairia no meio do branco, mas quem disse que a loira estava sã, ou nos seus melhores dias? Meio dia, a nevasca da manhã parou, o que permitiu a loira andar pelas ruas congeladas.

Laura mantinha os olhos baixos, viu a ponta da guia, mas não teve vontade de pular e saltitar, apenas seguiu sem saber por onde começar a pensar. Nada animava, e tudo parecia perda de tempo. Nem percebera os dias passar naquele bunker, havia se fundido ao sofá, e agora apenas desejava que lhe dissessem o quão coitada era, e como Carmilla estava errada sendo tão má. De tempos para cá, tudo havia virado uma tremenda bagunça. E agora que teria perdido quem amava, parecia também que havia perdido tudo.

One More NightOnde histórias criam vida. Descubra agora