Colateral - parte 3

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Laura POV

O véu lunar era toda a luz a passar pelas cortinas. A lareira jazia em escassos rubis incandescentes. Laura mantinha os olhos fechados com o nariz colado na parede, deitada numa cama mais dura que o chão, porém não era por falta de conforto tal rigidez, e sim pelo excesso de testes quanto a elasticidade das molas. Não tem colchão de plumas que agrade obstinação. Sono é um luxo, e por mais acordada que estivesse, o ânimo em levantar era zero.

Sobre a mesa de cabeceira a sopa fria a tanto deixada na hora do jantar. Se o prato estivesse cheio ao raiar do dia, Perry faria um escândalo, e como sempre LaF a acalmaria, e ainda daria um jeito de convencer a enferma a comer. Nisso era mestra, a danada da cientista sábia em palavras.

Terminou a comida sem gosto, e deitou os olhos na caixa trazida por LaF mais cedo. Já que dormir era impossível, trouxe o papelão para perto da cama, depositando-o entre os pés.

Tralhas de fundo de quintal, no caso aqui, de sótão. O livro infantil, velho e surrado, páginas enrugadas de umidade e tempo, nem as poucas letras sobreviveram, deixando somente páginas ásperas e parte das ilustrações, um príncipe em seu cavalo em busca da princesa presa na torre.

Seu personagem favorito, o que cavalgava, o que usava capa e espada, aquele que lutava contra o mal, o herói. Achou sua antiga capa encardida de tanto brincar, a vassoura quebrada que era sua montaria. Lembrou da desgostosa bronca que levou por ter quebrado a vassoura, era horrível a voz alterada; a culpa. Fez uma careta e largou as coisas dentro da caixa, chutando-a para longe, porém o papelão tão velho se desfez jogando tudo para o chão. O livro aberto na página da luta contra o dragão da torre.

O dragão que enfrentara era diferente, quatro membros, e não seis como o do conto. Observou a espada do príncipe, e lembrou do cabo quebrado da vassoura, sua espada perdida.

Algo bateu no vidro da janela, a loira abriu a cortina, era Raphael atirando pedrinhas entre aquelas três peneiras que ele mesmo havia pendurado lá. Rapidamente o homem escalou o telhado e sentou-se abaixo da janela.

- Tem porta sabe? - Avisou da esquisitice do amigo, porém ele fez sinal de silencio com o indicador sobre a boca, com cara de criança que acabou de aprontar.

- Tenta passar daqueles dois sinistros no corredor. - Contou ele, e na hora Laura entendeu o desvio pela janela. - Eu não vou ENTRAR NÃO! - Exclamou a ultima parte, certo de já ter sido notado ali, e que ele não faria nenhuma bobagem com a protegida dos defuntos.

- Tá tudo bem? - Debruçou-se Laura. Claro que não estava, meia cidade assustada, a outra metade aterrorizada, e todos os caçadores sedentos de vingança, era bastante trabalho para o comandante.

- Não muito. Meu plano de isolar e abafar o caso dos Torquemada já era, lembra?

E como não lembrar? Um cotoco de cadáver esfolado, cabeça pendida, e as cortinas e lençóis de uma arquidiocese inteira pintados de vermelho.

- As vezes eu não sei mais o que fazer. É como se as pessoas fossem cegas, acabamos de passar um massacre mundial, e ainda sim, é como se nada tivesse acontecido. A gente continua se matando com ou sem ordens. - Que peso naquela voz, como se o mundo pesasse sobre os ombros.

E talvez fosse mesmo; agente duplo, caçador, comandante, e amigo, Laura podia imaginar quão pesado podia ser o certo.

- Queria poder ajudar. - Disse a jornalista, embora o ânimo a tivesse abandonado, o certo ainda era mais forte.

- Ajudaria não se machucando de novo. - Ele mirou o braço enfaixado da loira. - E tem mais uma coisa. Estão caçando ela, todo o contingente dos Torquemada e Bastille. Antes eram buscas casuais, mas agora estão noite e dia atrás dela. Não sei quanto mais eu posso interferir, não sei se ainda vou ser o comandante. Laura se você puder chegar antes na vampira, pedir pra ela parar, ou se entregar direto a mim, acho que posso manejar alguma coisa, ser comandante não é tão pouca porcaria; mas se acharem ela antes de mim, vão matá-la.

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