Voltando Juntas

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Chlloe apertava os nós da cobertura do caminhão militar frente à cabana de madeira. Construção de planta simples, feita no século passado, provavelmente de algum pioneiro maluco de jovial disposição a procurar ouro nos Alpes, coitado, belo entusiasta e, um belo tonto também. A estrutura era enfiada entre as rochas, evitando tempestades de neve, também tinha as paredes três vezes mais grossas, provendo o interior do gelo, diminuindo os cômodos para dois quartos geminados, um interessante banheiro com uma banheira cavada na rocha e, água das redes subterrâneas.

- Devagar cupcake – Disse Carmilla segurando a cintura da jornalista ao lado da sua – Cuidado com o degrau – Com toda a atenção, cuidado e carinho, a vampira conduzia os atrofiados passos de Laura – Devagar, tanto tempo deitada enfraqueceu seu corpo – Era uma cena incomum, tão forte, tão preocupada da fragilidade humana.

Alegres latidos receberam-nas, Chlloe as rodeava com o rabo abanando, acompanhando de perto a curta caminhada. Carmilla fechou o cinto do passageiro em Laura, erguendo seu queixo, verificando o cristal amarrado no pescoço.

- Não dobra muito o pescoço – Pediu o fio de voz de uma namorada preocupada. Faziam três ou quatro semanas desde o despertar de Laura e, desde então estava ela muda, sem as cordas vocais a funcionar. Carmilla não tinha certeza se ouviria da tagarela voz outra vez, mas de tantas vezes que, almejou o silencio, agora sonhava com a jornalista cantarolando seu nome.

A vampira foi para o volante, ajeitou os espelhos, mirou a loira e viu um cão de língua de fora entre elas.

- O que você ta fazendo? Alias por onde você entrou? – A morena recebeu uma língua quente na ponta do nariz, junto aos arruídos de uma cauda batendo no banco – Vai pra trás – Rosnou e foi ignorada pela cadela decidida a acompanhar a caminhoneira e, antes de mais desavenças, a peluda teve o pescoço puxado pelos braços da passageira, a deitando sobre as pernas, expondo a barriga felpuda – Não deixa ela te lamber, você não sabe onde ela enfiou a língua.

Laura deu um sorriso sem mostrar os dentes, acentuando as covinhas das bochechas.

"Droga" – Pensou Carmilla escapulindo o nervoso riso por ser refém das expressões da outra.

A viagem começou cheia de passagens estreitas – estradas inexistentes – arvores milenares, barrancos, muita neve, o que atrasava a longa viagem de velocidade reduzida. A motoqueira não tinha disposição para arriscar um pulo do banco por pisar mais o acelerador, ainda mais com o gigantesco medo de ferir a curiosa jornalista. Medo. Em tanto tempo revivia o medo, era a primeira vez desde o dia...aquele dia com esse alguém...

Esse alguém debruçado no apoio do braço da janela, com o longo cabelo dourado correndo as costas, as pontas mais claras pelo tempo sobre o banco, olhos amendoados, sustentando fortes olheiras, vendo a neve cair, vestida do menor uniforme encontrado – e ainda sim grande para seu corpo miúdo – Laura.

- Pode tirar, acho que não vai ter problema e, você parece estar bem cansada – Disse a vampira sem tirar os olhos da direção. Chlloe a olhou, depois sentou no banco lambendo a loira.

Laura sorriu da atenção recebida, dedilhou o cordão de couro no pescoço, até por fim desata-lo, deixando o pingente pendurado no retrovisor. Era incrível o efeito do sorriso dela, Carmilla nunca sentiu seu peito mais aquecido com tão pouco, um sorriso, um olhar terno para com ela, tudo o que essa mulher lhe desse era um presente de aniversario.

- O que foi? – A vampira corou ao perceber como a jornalista encarava-a, era curiosidade, mas também tinha algo mais por baixo o bobo olhar – Durma, ainda vai demorar pra chegar em Treffen, e umas horas de sono vão ajudar essas olheiras, não que você não esteja fofa parecendo um panda – Riu por não saber a perdição a seguir com a resposta da loira, um tanto acanhada, indecisa no que fazer com o riso mudo preso entre os dentes, a fazendo morder o lábio inferior e jogar o cabelo de lado – quase saiu um beijo do para-choque numa arvore.

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