Nunca foi sua

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Carmilla POV

- Ana. – Chamou como se a camareira estivesse lá.

E frente ao vermelho de seus olhos, tudo se desfez em fumaça, toda hospedaria desapareceu tão rápido quanto se apaga uma luz. Seus olvidos pareciam encobertos, como se tivesse mergulhado na mais plácida lagoa.

Do nada escutou gritos, os gritos de seu pai:

"Nunca mais! Nunca mais vai vê-la! Você mês escutou?! Mircalla!"

Era a voz dele, mas tudo em volta era breu, uma poça vermelha se fez sob seus pés, começando a afundar. Seu corpo foi violentamente puxado para baixo, mergulhado no rubro, então seu corpo foi para trás, sendo arrastada pelos cabelos por uma escadaria, depois num corredor cinza. Escutou o estrondo da porta chutada, e foi jogada numa cama dentro de um quarto igualmente cinza, triste e desolador.

- Nunca mais! Nunca mais vão se ver! Me ouviu?! – Gritou um homem que jamais vira na vida. Cabelo meio grisalho, suíças cheias terminando num bigode, camisa amarelada, colete preto.

Queria arrancar os dentes dele, mas o corpo não se movia não a obedecia como se não fosse seu. A boca abriu falando e chamando o estranho:

- Pai, porque você ta fazendo isso? – Perguntou com o rosto dolorido de um baita tapa, banhado em lagrimas. A camisa meio para fora e meio para dentro da calça, botões estourados, suspensórios, sapatos de operário. O gosto de sangue invadiu a boca após levar outra bofetada.

"Pai?" pensou, não era seu pai. Olhou de soslaio, aquilo era um quartinho de castigo. As respostas para as perguntas vinham de outro jeito, não eram dela as palavras para explicar seus porquês, ou a completar as frases. Viu pela grande janela as ruas com carros e caminhões, um largo rio ao fundo, não era a Áustria, também não era nenhuma de suas casas, ou épocas.

"Bristol" disse sua consciência, mas era sua mesmo?

- Essa calça, tire essa calça! Você não é homem para usar calça!!! – Gritava o pai, arrancando dela a roupa. Ela chorava implorando que ele parasse. Porém ao tirar-lhe as calças, ele a virou de bruços sobre a cama, com os pés no chão. Usando o cinto para espancá-la. Cada chibatada abria a pele, deixava fortes vergões de sangue. Não importava o quanto ela chorasse e implorasse o cessar. – Ou te curo assim! Ou vou ter de chamar o reverendo Pentonw outra vez! Ele deu jeito no seu irmão, vai dar jeito em você!!!

"Curar?" o mesmo dizia o conde Karnstein, pensou.

Carm se viu presa dentro daquela pele, sem poder reagir. Um segundo homem entrou no quarto. Loiro e de imponente estatura, rosto fino, que engrossava com costeletas como as do pai. Este deu um chute no monstro, e a tirou de lá carregada nos braços.

Tudo se esfumaçou. Agora estava de pé na estação; numa estação de trem; mas era para lá de estranha, pintada de três cores, parte era a estação de sua época, parte era de Treffen, parte não conhecia, será parte de Bristol? E no centro de tudo, aquele homem loiro se despedia dela, a beira do último trem.

- Eu sempre vou te amar. – Disse ele segurando o choro. Ela, no entanto, chorava litros, sentia extremo pesar em deixá-lo. Era seu único amigo, seu irmão.

Ele entregou algo a ela, que a fez arregalar os olhos, algo que não era para ela. Então ele a acalmou, e disse:

- Não importa o que ele diz, quem decide o legado da família, o destino disso, é você. – Sorriu.

- Todos a bordo! – Berrou o maquinista.

As pressas ela entrou no trem, e o vapor bagunçou seu cabelo loiro, e a última coisa que viu foram os olhos do irmão se afastando cada vez mais, e desaparecendo dentro do vapor.

One More NightOnde histórias criam vida. Descubra agora