Capítulo 9-O que os olhos não veem o coração não sente. - REVISADO

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-Eu conheci o Peter Pan- digo baixinho como quem conta um segredo.

Ela estava de camisola, um tecido de seda de cor pérola que ia até os tornozelos, confortavelmente acomodada na poltrona marrom enquanto assistia ao jornal da noite. Seus olhos azuis se demoraram nas cores da TV antes que virassem sua atenção pra mim.

-O que você disse?- ela indagou calmamente, seus olhos oscilando entre mim e as notícias.

-Eu queria saber sobre o seu passado.- ela pareceu surpresa e animada, se agitando na poltrona e diminuindo o volume da televisão. Decidi não dizer que o havia conhecido, mudando de assunto, completamente.

-Nossa, por que isso do nada?- ela indagou se apoiando no braço do sofá, colocando o cotovelo no tecido macio e sustentando a cabeça com a mão e piscando os olhos como se fosse uma adolescente.

Não tinha percebido o quanto ela é bonita.

-Ah sei lá, eu só queria saber, conhecer minha mãe. Porque a senhora sabe, a senhora é minha mãe de verdade. - respondi selecionando bem as palavras e acertando em cheio. Ela ficou emocionada.

-É uma história longa, chata e complicada. Tem mesmo certeza de que quer ouvir?

Fiz que sim com a cabeça e ela continuou.

-Eu nasci em 1937 e vivi toda a minha infância aqui na Inglaterra em plena segunda guerra mundial. As coisas eram difíceis.- falou séria. Eu esquecia que embora ela tivesse uma vitalidade imensa, a minha avó tinha oitenta anos e que tinha passado por poucas e boas na vida. Talvez eu devesse me lembrar disso e evitar discutir por coisas tão bobas.

- O quão difíceis?

-Muito difíceis. Meu pai for pra guerra cedo quando eu tinha uns cinco anos. Eu vi a minha  Londres ser destruída por bombardeios alemães. Quase não íamos a escola, a comida começou a ficar cada vez mais precária. Nas ruas mães abriram mão dos seus filhos para a adoção, velhos moribundos jogados nas ruas, órfãos, a cidade cheirava a fumaça e esgoto. Mas mamãe era muito forte. Mesmo tendo que criar duas crianças sozinhas em plena guerra ela deu um jeito.- ela admirava sua mãe, isso era um fato, mas algo estranho era que eu não sabia quase absolutamente nada da vida da minha avó, tudo bem que eu deveria saber ao menos o básico, mas eu não perguntava muito e ela também não gostava de falar, mas um irmão? Isso ela nem sequer citou.

-Duas crianças?

-Sim eu e meu irmão mais novo: Darry.- disse de forma natural com um brilho nos olhos.

-Quer dizer que eu tenho um tio avô?

-Tinha.- ela corrigiu, sua expressão se tornando fechada e sombria de repente.- Ele morreu quando eu fiz dezessete anos. Enfim, isso não vem ao caso.- continuou mudando de assunto e por mais que eu quisesse saber o que tinha acontecido decidi não perguntar mais nada.- Enfim, voltando ao assunto, geralmente passávamos as noites com mamãe no abrigo antibombas e a única coisa que conseguia nos distrair dos barulhos eram as histórias. Wendy Darling era uma contadora de histórias nata.

Pois é vovó, nem todas as histórias dela eram inventadas.

...

Passei o resto da noite ontem matutando sobre fugir para a Terra do Nunca. Se eu quiser realmente fazer isso vou precisar ser cuidadosa: primeiro vou ter que fugir de noite, a cidade vai estar mais calma e na escuridão ninguém vai me notar voando pelos céus . Segundo, vovó não vai suspeitar de mim se achar que eu estou dentro do meu quarto e pela manhã vai achar a minha carta e de alguma forma entender. Terceiro: vou precisar arrombar aquele cadeado de algum jeito.

-Não vai dar pra ser em casa.- uma voz disse de supetão ao meu lado me fazendo dar um pulo de susto. Era Mabel que vinha com olhos pedintes realizar sua tão bendita conversa.- Meus pais chegaram sem avisar, deu um problema na empresa deles...-ela disse fazendo gestos excessivos com as mãos. Algo comum quando estava nervosa.

Me Leve Para A Terra Do Nunca ( EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora