Capítulo 19- O espelho da alma.

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  Momento fugaz

Espelho d'alma
de suave transparência
reflete a pele escamada
no oco vazio do tempo
invólucro sensível
meus lábios não magoam
silenciam a surdez
não é preciso cegar
a luz navalha
numa velocidade finita
tudo é fugaz
o tempo
o momento
o agora
o nada  

-Klaas Kleber

Acordei mais cedo naquele dia, antes mesmo de Todd ou Cariel...O sol estava começando a nascer e ainda se escondia vergonhoso atrás do horizonte. Fazia um calor abafado naquela noite e também no início do dia. Parecia que não havia vento e mesmo que este por algum acaso resolvesse soprar, era quente como se alguém estivesse baforando na sua cara.

Talvez o calor nem fosse realmente muito grande ou intenso visto que eu era aparentemente a única incomodada com isso. Morei a vida toda em Londres, na qual se você avistasse um raio de sol por entre as densas nuvens e conseguisse usar uma blusa de manga comprida sem casaco por cima já era um sinal de que o verão estava pelo menos na metade.

Minha pele já tinha ficado bem mais escura nesse tempo, não que ela realmente tenha ficado escura porque eu era extremamente branca, alva, pálida, quase como uma folha de papel vegetal. Fiquei no mínimo com uma aparência saudável, que se consistia basicamente de uma bochecha rosada e um tom de pele mais escuro do papel vegetal para papel.

Tomei uma golfada de ar fingindo que aquele ar quente fosse frio e refrescante. Saí para fora da Árvore. Os raios de sol começavam a querer pintar o céu ainda azul escuro. Fiz o que fazia de melhor: Subi na Árvore do Nunca e me recostei sobre ela olhando o céu que clareava gradativamente e se parecia agora com uma palheta de tintas azuis.

Todos os acontecimentos giravam na minha cabeça: ter deixado o meu "mundo", as palavras de Lorenzo, o menino que rondava pela floresta em busca de um nome de mulher, as boca frouxa da Sininho, meu quase beijo com uma sereia, meu caso com Peter, aquele pobre vagalume.

Eu tinha feito mais coisas na minha vida em dois meses do que durante todos os meus dezesseis anos. As coisas pareciam não fazer sentido. Eram peças de um quebra cabeça que não se encaixavam, talvez nem fossem peças de um mesmo quebra cabeça. Muito possivelmente nem fossem peças só coisas do meu subconsciente inseguro querendo me pregar peças...

É que todos parecem me menosprezar tanto, ficam falando de coisas que eu não sei com mensagens subliminares como se eu devesse decifrar aquilo. Era como se eu tivesse duas pessoas nos meus ombros gritando nos meus ouvidos, uma me dizendo que eu não deveria ligar pra isso, que eles ainda estavam zoando com a minha cara por ser nova e não fazer parte da turma. A outra voz continuava gritando que tinha algo errado, que tudo isso era alguma coisa que eu deveria entender que estavam me alertando, que vovó não teria me privado todo esse tempo de poder ver a noite e consequentemente parte da minha infância.

Foda-se Adaline. Quer saber foda-se. Você pensa demais e essa é a porra do seu problema. É melhor só deixar as coisas seguirem e parar de pensar e criar caso.

Como se isso fosse possível.

Apertei com força a foto contra o meu peito. Cheguei até a amaçar um pouco as bordas da fotografia. A saudade de vovó e de Mabel estava me consumindo pelas últimas semanas. Tudo bem que agora eu era parte dos meninos perdidos e eles passaram a me tratar bem, mas não tínhamos intimidade e como diz aquele ditado "você não pode pegar lotado e querer sentar na janelinha." Vovó implicava comigo mas se importava e tinha Mabel pra ouvir as minhas besteiras e conversar sobre qualquer coisa aleatória.

Me Leve Para A Terra Do Nunca ( EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora