Capítulo 37

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AMANDA

Luzes brancas. Paredes brancas. Piso branco. Uniformes brancos.

A morte nem de longe deveria ser vista dessa maneira. Essa tentativa de deixa-la mais branda mais "branca" era apenas um ato disforme da mente humana em tentar apaziguar o sofrimento. Por que minimizar isso? As doenças, as dores, a morte em si não deveria ser branca. Essa cor nem de longe trazia calma, aceitação ou esperança. Particularmente não sinto que deve haver alguma esperança no momento.

Encaro o branco das paredes com um profundo desgosto – eu odiava isso – essa sensação de impotência que aquilo me causava. Pinto as paredes de vermelho, vermelho sangue, sangue este que banham minhas mãos. Meu corredor agora está manchado de marrom – terra e lama – que impregnam meu salto alto. As pegadas dos médicos e enfermeiros estão cravadas no que antes era um resplandecente piso branco. O hospital deveria ser assim. Marcado pelas cores tornando tudo mais real, mais "humano".

Após alguns minutos uma faxineira vem com seu carrinho de limpeza tirar os vestígios da realidade para longe de mim, deixando apenas o branco, o vazio, a incerteza de que aquilo talvez não fosse real. Nada daquilo era certo. Tudo havia sido apagado. Apagado para o resplandecente branco voltar, com a esperança de que aquela cena terrível marcada pelo sangue e pela lama seria esquecida. Quem passasse por aquele corredor agora jamais saberia que J Balvin havia sido levado para a cirurgia tendo pouquíssimas chances de vida, não saberiam o quanto foi assustador ver seu sangue espirrar de seu peito para o imaculado piso branco. Ninguém ali saberia, a não ser eu.

Eu que – por ironia do destino – já estava vestida de preto. Para o luto certo – burla-se meu cérebro – que iria vir. A morte de um homem em minhas mãos – estremeço – quão triste era a vida? Em um momento estávamos rindo sobre uma varanda iluminada por estrelas e agora aqui estava eu, chorando – uma cena nada bonita de se ver – sem esperanças.

Encaro minhas mãos com sangue vermelho seco e tampo meu rosto. O corredor não tem uma única cadeira se quer. Não me importo de sentar no chão mas, sentar no chão sem saber se eu conseguiria levantar era aterrador.

_Senhorita – ouço uma voz entrar vagarosamente em minha bolha caótica – você não pode ficar sentada aqui.

Concordo com a cabeça sem conseguir emitir um sinal de vida. Estar em coma deve ser assim. Você entende as coisas ao seu redor, emite a vontade de mover-se, mas seu corpo não responde.

_Senhorita – a voz fica insistente e uma mão gelada segura meu braço – Enfermeira!

Eu preciso fazer esse esforço, eu consigo fazer isso – encorajo-me – eu preciso fazer isso. Vamos lá garota!

_Ela não responde – diz a voz e seu desespero me da vontade de rir.

Levanto-me de uma vez e cambaleio um pouco, quatro mãos seguram-me e pisco furiosamente tentando enxergar o que há em minha frente.

_Estou bem – informo para as vozes.

_A senhorita precisa aferir...

_Já disse que estou bem – grito soltando-me das mãos.

Caminho em direção à secretaria do hospital lembrando-me por um momento de que, eu deveria fazer o cadastro do J Balvin. Paro no balcão e abro sua carteira. Notas altas de dinheiro chamam minha atenção, mas ignoro em busca de algum cartão de saúde.

_Meu – amigo? Se eu falasse isso não poderia vê-lo depois até um membro da família chegar e se ninguém viesse não poderia proceder com o que quer que seja – noivo, está em cirurgia.

Uma recepcionista de semblante tranquilo e olhos azuis sorri para mim. _Você tem sua identidade e o cartão de plano de saúde?

Entrego para ela e a vejo digitar rapidamente no computador. As coisas eram tão burocráticas – leio os papeis que ela me entrega – até para morrer. Assino as folhas e me afasto após vê-la sair em direção à enfermeira. Com passos vagarosos me direciono para a Capela. Ao menos aqui havia algumas cores. Azul e verde. Tudo bem neutro, mas uma tentativa de encontrar a paz.

Sento-me em um dos bancos e ignoro os choros vindos ao meu redor. Deveria ter ao menos umas quatro senhoras de idade rezando. Não consigo lembrar-me ao certo se já havia passado muito tempo desde que eu havia sentado-me na capela. Mas o perfume doce arrancou-me do torpor trazendo-me de volta a realidade. Olho ao redor e vejo que as senhoras não estão mais ali. Quanto tempo havia se passado?

_Você já está aqui há um bom tempo em amor? – diz uma voz a ocupar o espaço vago a meu lado – Deve ser difícil pra você, estar passando por isso sozinha. Agarrando os dois bofes ao mesmo tempo? Amiga, nem eu fiz isso. Você vive me surpreendendo.

Olho para a mulher e encaro a resplandecência de Anitta. Ela parece ótima, recém saída de um banho de salão e loja, muito diferente de mim que nem as mãos de sangue lavei ainda.

_O que você quer? – pergunto voltando meus olhos para a cruz de Jesus Cristo a minha frente – Acho que você não percebeu que estamos em uma capela, dentro de um hospital.

_Nossa – ouço-a dizer em tom ofendido – Também gosto de J Balvin, passamos momentos ótimos juntos.

_O que você quer? – repito minha pergunta.

_Vou ser bem direta – encaro seus olhos e meu cérebro associa a imagem de Anitta a uma cobra, perversa e cruel. Ao menos meu cérebro estava certo – Quero que termine com Maluma.

_Você quer o que? – encaro-a surpresa.

_Você entendeu bem – diz ela – Você vai terminar seu relacionamento com ele.

_Não é simples assim – respondo e ouço o rosnado em meu tom.

_Então faça ser – responde ela – Maluma me atacou publicamente – Anitta me mostra seu braço roxo – Fiz um boletim de ocorrência e ele está preso. Posso retirar a queixa e cancelar o processo. Posso fazer tudo sumir, sem consequências.

_E você fará se eu terminar com ele – concluo vendo-a sorrir – Não tenho palavras para descrever o tipo de pessoa que você é.

_Não pense assim amor – diz ela animada – Pense que você estará dando chances para que uma criança nasça em um lar composto por papai e mamãe.

Meu estomago revirasse e sou obrigada a olhar para longe. _Fiz uma promessa a Maluma que não posso romper por um mês – declaro.

_Então é melhor você fazer ele romper amor – ouço-a levantar – Você tem 48 horas.

Livro 1 - Doce TempestadeOnde histórias criam vida. Descubra agora