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de me preocupar com os caras do estacionamento da churrascaria. E claro,
mesmo que Wendy Lee estivesse morta, e o caso fosse julgado como crime,
parecia improvável que a notícia chegasse até Altoona, em plena Pensilvânia.
Então mal se passou um minuto e eu já tinha desistido. Resolvi descer até a sala
de informática que tinha visto ao lado do saguão. Dava pra escutar James
enchendo a banheira. Bati na porta, tentando parar de imaginar o quão pelado ele
estaria. - Sim? - James disse do outro lado da porta. Avisei que ia descer pra usar o
computador. - Tudo bem, vejo você daqui a pouco - respondeu, como se
estivéssemos casados há vinte anos.
A sala de informática tinha uma janela com vista pra piscina. Estava escuro lá
fora, mas pude ver o brilho da água. E o tanto que não seria bom vestir um biquíni
agora? A última vez que vesti um tinha sido na casa de Emma Deane Wilford, em
Caldecott. Eles tinham uma piscina no quintal e eu, Emma e sua prima ficamos
lá dentro a tarde toda de biquíni, tomando limonada.
Será que teria aproveitado de um jeito diferente se soubesse que aquela seria
a última vez que eu faria algo do tipo: sentar com as amigas numa piscina
fresquinha, nossas peles inofensivas lado a lado e às vezes até se roçando?
Tratei de tirar aqueles pensamentos da cabeça e entrei no site do Clarion-
Ledger. É certo que, se Wendy Lee estivesse morta (uma empresária respeitável,
assídua na igreja, assaltada em sua própria padaria), seria capa do jornal. Mas só
encontrei um monte de artigos sobre a Igreja Batista se opondo ao casamento gay
e sobre a expansão dos estádios de futebol americano, basicamente o mesmo
conteúdo sem graça que eu leria sempre que abrisse aquele jornal, coisa que
raramente fazia. Cliquei nos obituários. Nada. É claro que também não tinha
obituário algum pra Cody. Ainda não, pelo menos.
***
Quando retornei ao quarto, James estava sentado em uma das camas,
trocando de canal em canal. Ele tinha ligado o aquecedor, então o clima estava
bem aconchegante. Sentei na outra cama com os pés no chão e meus joelhos a
menos de um metro de seu cotovelo desprotegido. Tirei minha jaqueta e me senti
bem por estar ao lado de uma pessoa que sabia que não poderia encostar em
mim, mesmo sem saber o motivo. Tentei não pensar em todas as coisas que eu,
de uma hora pra outra, sabia fazer, coisas que tinha aprendido com Wendy Lee, e
tudo que aconteceria se eu esticasse a mão e arrancasse aquele roupão dele.
James desligou a TV e jogou o controle remoto na cama.
- Foi bem interessante a forma como você lidou com aqueles homens.
Sei que ele quis fazer um elogio, mas eu sinceramente não estava com a
mínima vontade de dizer obrigada.
- Você se importa se a gente não falar disso?
- Claro - ele concordou. E, de repente, do nada, continuou: - Você não se
parece com uma Anna Marie.
- Sério? Sinto informar que tenho sido Anna Marie desde que nasci. Com - Sério? Sinto informar que tenho sido Anna Marie desde que nasci. Com
quem você acha que eu me pareço?
- Não tenho certeza. Vou ter de pensar a respeito.
Dei um sorriso. E então fiz algo que não fazia havia muito tempo na presença
de outra pessoa. Tirei meu casaco. Eu usava um top por baixo, então não era
como se eu estivesse pelada. Mas, levando em consideração o olhar de James,
dava até pra dizer que eu estava sim. Ele não teve pudor algum de passar os olhos
pelos meus ombros desnudos, meu colo. Fechei os olhos imaginando suas mãos
fazendo o mesmo. Mas não por muito tempo.
- Ei - eu disse, voltando ao meu estado normal -, você nunca vai me
perguntar por que eu estou fugindo?
- Você nunca vai me perguntar por que eu também estou fugindo?
Isso meio que me surpreendeu. Não tinha pensado nele como um foragido.
Pensava nele como o cara que tinha me ajudado a escapar. Provavelmente tinha
algo a ver com o fato de eu estar sozinha por tanto tempo, isso de não ter de me
preocupar com mais ninguém. Ou talvez por ele ter parecido tão deslocado, tão
turista naquele lugar, pra começo de conversa. Simplesmente esqueci que ele
poderia ter seus próprios motivos pra querer dar o fora de Jackson.
- Pois bem, por que você está fugindo?
- Não posso contar.
Ele pôs as mãos atrás da cabeça e continuou me encarando, como se eu
fosse um milk-shake gigante que ele quisesse devorar. Ele tinha um quê de
bondade, um brilho dos mais agradáveis nos olhos. Era difícil imaginar que
estivesse fugindo de alguma coisa.
- Então, Anna Marie - ele disse meu nome como se fosse a coisa mais
ridícula do mundo, como se meu nome fosse Orquídea ou Raio de Sol, ou alguma
baboseira dessas sem sentido algum. - Por que você está fugindo?
Respirei fundo. Mesmo que James não se importasse em forjar documentos
ou roubar um banco, ele não parecia o tipo de pessoa que aceitaria numa boa isso
de machucar alguém, principalmente se eu tomasse o incidente do
estacionamento como exemplo. Então, eu teria de escolher minhas palavras com
muito cuidado.
- Eu acho que posso ter machucado minha ex-chefe, Wendy Lee. Não como
aqueles caras no estacionamento. Quer dizer, não de propósito nem nada. Por
acidente. Mas a polícia pode não interpretar bem dessa forma.
- Você acha que machucou a pessoa, mas não tem certeza?
- Sim, era justamente o que estava fazendo agora, procurando notícias sobre
ela nos jornais. Quando isso aconteceu, eu fiquei bastante assustada e saí
correndo. Foi mais ou menos aí que você me encontrou.
- Hum... e por que você não liga para ela?
- Ligar pra ela?!
- Claro - ele apontou em direção ao telefone com o queixo. Havia
milhares de botões. - Aquilo é um telefone, não é? - Qualquer outra pessoa
teria pensado que ele estava sendo irônico. Mas, tratando-se de James, eu
simplesmente não podia ter a menor certeza de que ele, por sua vez, tinha

certeza de que aquilo era mesmo um telefone. - Por que você não o pega e liga
para ela de uma vez? Veja se atende.
Ele puxou as mãos de trás da cabeça e as apoiou em sua barriga descoberta.
Eu não sabia o telefone da casa de Wendy Lee, mas, logo pela manhã, eu poderia
ligar pra padaria. Ninguém lá de cima conhecia assim tão bem minha voz que
não fosse possível disfarçá-la um pouco. Se eu perguntasse por Wendy Lee, eles
certamente me informariam caso algo tivesse acontecido.
Levantei-me e fui em direção à janela, sentindo o olhar de James
acompanhando de perto cada movimento meu. Empurrei as cortinas verdes,
pesadas, e olhei pra piscina. Devia ser quase meia-noite e não tinha ninguém lá
embaixo. O recepcionista parecia ter seus quatorze anos. Provavelmente, ficaria
na recepção lendo gibis sem prestar muita atenção em nada a não ser que
alguém aparecesse pra fazer check-in, o que àquela hora parecia improvável.
Altoona parecia ainda mais morta do que Jackson.
- Quer saber - James disse, da sua cama -, acho que finalmente estou
me acostumando com esse clima.
- É porque você ajustou a temperatura do quarto pra mais de 40 graus. Acho
que vou é descer pra nadar um pouco.
- Quer que eu vá com você?
- Não, deve estar fazendo uns trinta e poucos graus lá fora - disse,
fechando as cortinas. - Você provavelmente morreria de frio.
Não havia ninguém na piscina. Lâmpadas halógenas alaranjadas, por todo o
lugar, aclaravam o ambiente à meia-luz. Ultimamente, eu estava vivendo de
modo tão cauteloso e sempre me mantendo toda embrulhada... Naquele
momento, porém, me senti a imprudência em pessoa. Imprudente o bastante pra
arrancar minha calça de couro e o casaco que eu tinha vestido pra pegar o
elevador. Não parecia ter muitos hóspedes no hotel, não via nenhuma luz acesa a
não ser a do terceiro andar, onde James provavelmente estava deitado na cama
passando pelos canais. De top e calcinha, mergulhei direto na parte funda da
piscina.
Aquela água estava tão boa em contato com minha pele, tão fresquinha e
límpida e tonificante. E familiar, como o abraço de um velho amigo. E daí que eu
estava fugindo? Eu estava era viajando! Estava em um estado qualquer no norte do
país. E estava nadando. Talvez a vida não tivesse de ser tão solitária e sem prazer
no fim das contas. Fiquei boiando de costas, observando as estrelas. Elas piscavam
pra mim. "Onde você esteve todo esse tempo, Anna Marie?", elas pareciam
perguntar. Eu sorri.
Meus olhos vagaram de volta ao hotel, de volta àquela única janela acesa no
terceiro andar. E lá vi uma figura parada, toda embrulhada no seu roupão branco,
olhando de volta pra mim. Ele ergueu a mão e acenou. Com um leve espirro
d'água quase imperceptível, deixei de boiar e encostei os pés no azulejo. Isso foi o
mais próximo que cheguei em anos de me sentir como aquela garota que tinha
ficado pra trás em Caldecott County. Encarei James de volta e meus olhos de gato
se ajustaram ao escuro e à distância sem o menor problema.
O top de algodão estava grudado no meu corpo. Coçava. Estava atrapalhando
tudo. Então resolvi tirá-lo logo de uma vez e o joguei de lado. Ficou boiando um

X- Men: OToque Da VampiraOnde histórias criam vida. Descubra agora